Uma grave crise, que parecia se esconder da sociedade, apresentou-se em números nas últimas semanas. Um relatório da ONG britânica Global Witness, recém-divulgado, revelou que na última década foram assassinados 908 ativistas em 35 países. E, segundo a instituição, o Brasil é a nação mais mortal do mundo para pessoas que defendem recursos naturais e direitos pela terra, com 448 homicídios registrados entre 2002 e 2013. “Percebemos um aumento acentuado nos últimos anos nos países da América Latina e da Ásia”, afirmou à ISTOÉ Alice Harrison, porta-voz da Global Witness. “Esses números, no entanto, são apenas a ponta do iceberg, uma vez que, com a falta de informação e da atenção dos órgãos responsáveis, é impossível saber a real escala do problema.” O estudo alertou, ainda, que nesse período apenas dez casos foram julgados no mundo todo. “Os governos devem monitorar abusos e assassinatos e levar os responsáveis à Justiça, pois faltam políticas de proteção”, diz Harrison. As maiores vítimas, de acordo com o documento, são pessoas que lutam contra a exploração mineira e o comércio da madeira.

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VÍTIMAS
Da esq. para a dir., Gonzalo Hernandez, Paulo César Ferreira, Ivan Tenharim
e Oziel Gabriel: ativistas assassinados no Brasil no último ano

Na terça-feira 29, outro levantamento, realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Igreja Católica, apontou que no ano passado foram registrados 1.266 conflitos no campo em todo o País. O que chama a atenção nos dados, segundo a instituição, é o envolvimento das populações indígenas nos conflitos. Das 1.266 ocorrências, 205 estão relacionadas aos índios. De acordo com o secretário da coordenação nacional da CPT, Antônio Canuto, a impunidade ainda é um dos fatores que alimentam a violência. “Como raramente um mandante de crime é condenado, quando um pistoleiro ou fazendeiro quer se ver livre de alguém, ele simplesmente o faz”, diz.

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Além das ameaças diretas, Robson Formica, membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, afirma que os ativistas brasileiros enfrentam a criminalização, a coação e a intimidação. Um recurso que vem sendo comumente utilizado é o chamado interdito proibitório. Ocorre quando um ativista é condenado a pagar multas – que podem chegar ao valor de R$ 100 mil por dia – quando é considerado uma ameaça. “É mais uma forma de amedrontar os manifestantes”, afirma Formica. O bispo Irineu Andreassa, da Diocese de Lajes, em Santa Catarina, afirma ter sido impedido de ajudar as famílias que se manifestavam contra a construção da Usina Hidrelétrica Garibaldi em 2013. “Tive de manter distância do canteiro de obras da usina”, diz. “Se me aproximasse, poderia ser preso ou pagar uma multa de R$ 10 mil.” O advogado da Comissão Pastoral da Terra, José Batista Afonso, convive com intimidações no campo há pelo menos três décadas. Formado em teologia e direito, Afonso passou a atuar na defesa das famílias que participavam da ocupação de terras em 1996, ano do massacre em Eldorado dos Carajás. “Já vi muita injustiça, mas não penso em parar porque levo esse trabalho como uma missão.”