Após veto dos EUA ao Arcoxia, antiinflamatório muito vendido no Brasil, toxicologista ensina regras para diminuir os riscos

A confiança nos medicamentos sofreu um novo abalo. Por 20 votos a 1, o conselho consultivo do FDA, a agência americana reguladora de medicamentos e alimentos, deu parecer negativo ao pedido para vender o antiinflamatório Arcoxia nos Estados Unidos. O Arcoxia é vendido em 63 países, entre eles o Brasil, onde é líder de mercado em sua categoria. Seu uso poderia causar 30 mil infartos por ano nos EUA. O veredicto final do FDA sairá na sexta-feira 27 de abril. Em 2004, o Vioxx, com ingrediente ativo da mesma classe do Arcoxia, foi retirado do mercado pelo fabricante quando também liderava as vendas por aqui. Mas o que deve fazer quem usou ou toma um medicamento que pode ser proibido? Por que é importante evitar a automedicação e ler a bula? Para responder a essas questões, ISTOÉ entrevistou o toxicologista Sérgio Graff. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia e médico da disciplina de clínica médica da Universidade Federal de São Paulo, Graff criou uma empresa para orientar os consumidores sobre efeitos colaterais e reações adversas dos medicamentos.

ISTOÉ – Como tomar um medicamento de forma segura?
Sérgio Graff

Sendo mais criterioso e exigente. Um dos maiores problemas é que no Brasil, tudo se vende sem receitas e com ind icação do balconista. Basta pedir para comprar produtos de tarja vermelha, que precisam de receita, sem nenhuma exigência. Nos Estados Unidos, você pode comprar medicamentos livres de receita até em supermercado, mas não tira uma gota de antibiótico da farmácia sem receita. Isso contribui para o aumento no consumo dos antiinflamatórios. As dores, de modo geral, podem ser tratadas primeiramente com analgésicos. Mas as pessoas não sabem disso e acabam comprando antiinflamatório.

ISTOÉ – Qual é a diferença entre analgésicos e antiinflamatórios?
Sérgio Graff

A resposta inflamatória é uma defesa do organismo às agressões. Ela é dor, rubor, calor e perda da funcionalidade. Provavelmente a dor é o sintoma que mais incomoda. O analgésico diminui a sensibilidade desses receptores.

ISTOÉ – E quando o antiinflamatório entra em cena?
Sérgio Graff

Se a dor não cede depois de usar analgésico por um ou dois dias.

ISTOÉ – Depois do episódio do Vioxx, comentou-se que haveria uma alteração na bula do Arcoxia. Isso aconteceu?
Sérgio Graff

 Não sei. A bula do Arcoxia menciona diversas reações e pede ao paciente para avisar ao médico sobre doenças do coração, que são contra-indicações.

ISTOÉ – O consumidor precisa ter esse tipo de informação para discutir com o médico?
Sérgio Graff

Precisa, com certeza. Eu acho que a comunicação nesse campo deveria fluir melhor em todos os sentidos. As alterações nas bulas, por exemplo, deveriam ser rotineiramente comunicadas aos médicos pelo laboratório e pelas agências reguladoras.

ISTOÉ – Como deve se posicionar o usuário quando o médico diz uma coisa e a bula, outra?
Sérgio Graff

Vejo muitos casos desse tipo. Os pacientes lêem na bula que se deve tomar o remédio por sete dias, mas o especialista prescreve 15. Está escrito para ministrar na veia, e ele acha que é intramuscular. A bula afirma que não se pode dar para crianças com menos de 12 anos, mas alguns médicos receitam baseados na experiência pessoal. Sempre oriento consumidores que ligam com dúvidas sobre as indicações de uso do remédio feitas pelo médico que estão em desacordo com bula. Eu recomendo que o consumidor se oriente pela bula, que está baseada em testes de segurança e volte a conversar com o médico. Em muitos casos, isso resolve.

ISTOÉ – O sr. já passou por alguma situação como essa?
Sérgio Graff

Eu, que me considero bem informado nessa área, outro dia receitei um medicamento – que costumo receitar há muitos anos – e fui informado pela paciente que a Anvisa tinha proibido o uso para crianças. Abri a internet, fui no site da Anvisa e vi que ela tinha razão. Mas eu não tinha visto nenhum comunicado. Como aconteceu comigo, milhares de médicos não sabem um monte de coisas. E deveriam ser alertados dessas decisões.

ISTOÉ – O que o consumidor pode fazer para diminuir os efeitos indesejáveis dos medicamentos?
Sérgio Graff

Ele precisa ser mais consciente para se proteger. Em primeiro lugar, não se deve tomar os medicamentos de tarja vermelha sem receita médica. Nada de indicação de vizinho, amigo ou do balconista da farmácia. O paciente não pode esquecer, em nenhuma hipótese, de informar o médico sobre os medicamentos que está tomando. E nem pode tomar outros sem avisar. Isso evita um dos principais males desses casos, os possíveis efeitos vindos de combinações perigosas de ingredientes ativos. Se não entender a receita, o paciente não deve ter vergonha de telefonar para o médico em busca de tradução da letra. O entendimento da letra do médico não pode ficar exclusivamente a cargo do farmacêutico. As pessoas, sobretudo no Brasil, não têm o costume de ligar para o médico para relatar algum sintoma estranho ou incômodo. Isso deve ser feito. Também é importante não utilizar, sem nova orientação médica, um remédio receitado no passado, ainda que os sintomas sejam semelhantes.

ISTOÉ – Qual é o problema com o Arcoxia?
Sérgio Graff

Os especialistas consideram que ele não se mostrou superior em eficácia a outros medicamentos existentes no mercado americano. Em segundo lugar, a comparação com outro antiinflamório, o diclofenaco (princípio ativo do Cataflan e do Voltaren) mostrou que ele não traria menos riscos para a saúde do que as opções do mercado. A decisão do FDA foi baseada em um estudo de quatro anos, em vários países, com 34 mil pessoas. O uso prolongado do remédio causaria reações no sangue que facilitariam a adesão das plaquetas, as células do sangue que mantêm o equilíbrio entre o sangramento e a coagulação. Se esse equilíbrio se altera, pode aumentar o risco de formar trombos ou coágulos, a principal causa de infarto e derrame.