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Atribuir aos atentados terroristas sofridos pelos EUA uma inspiração nas catástrofes espetaculares veiculadas em seus próprios filmes não é mais uma ideia original. Mas a ressonância dessa análise nas recentes aventuras de super-heróis não deixa de ser novidade. Os vilões, antes menos engenhosos e até engraçados, agem agora com uma vontade de destruição de dar inveja aos malucos dos noticiários. Veja o caso da nova figura do mal a assombrar Nova York em “O Espetacular Homem Aranha 2: A Ameaça de Electro”, em cartaz na quinta-feira 1. Apelidado de “Electro” por sua capacidade de irradiar descargas de altíssima voltagem, o personagem interpretado por Jamie Foxx tenta jogar para os ares justamente um dos alvos prediletos do terror (embora nunca danificado por suas armas, é bom lembrar): a feérica Times Square, coração do entretenimento da Big Apple. Engenheiro da corporação Oscorp, que se dedica à pesquisa de energia verde e outras atividades secretas, Max Dillon sofre um acidente ao fazer a manutenção de um cabo de alta tensão, cai num viveiro de enguias e se transforma num ser azulado em cujas veias corre eletricidade pura. Usando apenas força mental, Electro consegue atirar carros de polícia quarteirões adiante e explodir todos os telões da Broadway de uma só vez. Como se alimenta da energia distribuída nas ruas, provoca o maior blackout que Nova York já viveu. É um caos de proporções arrepiantes. “Antes do 11 de setembro, os vilões eram bandidos querendo fazer dinheiro. Agora agem como terroristas, mesmo que não defendam uma causa”, diz Bruno Zago, um dos autores da coleção “Quadrinhos no Cinema” (Generale).

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ELETRICIDADE PURA
Jamie Foxx (abaixo) interpreta Electro, engenheiro que recebe
um choque de alta tensão e passa a viver da energia
que ilumina a cidade de Nova York

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Disparada a melhor cena do filme, a sequência passada em Times Square consumiu boa parte dos US$ 200 milhões da produção. Toda a área norte do cruzamento de avenidas foi reproduzida em escala real, incluindo fachadas de lojas e os 140 telões jumbotron. Sua destruição é digital, claro. Ao investir na chamada “soma de todos os medos”, os blockbusters não respondem apenas a uma catarse coletiva. Precisam se renovar. No caso da franquia “Homem Aranha”, carro-chefe dos estúdios Sony, que já rendeu uma trilogia estrelada por Tobey Maguire e anuncia mais dois episódios (para 2016 e 2018), isso implica novos vilões e um enfoque diferenciado da história, criada nos anos 1960 por Stan Lee.

Antagonistas não faltam no segundo episódio do chamado “reboot” (reinício) da saga. À frente, Electro surpreende ao fugir do original dos quadrinhos e aparecer como um afro-americano problemático, um pouco ressentido: fanático pelo Homem Aranha, que salvou a sua vida, ele é escalado para uma tarefa extra justamente na noite de seu aniversário. Sofre o tal acidente.

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Outro “nêmesis” presente é o russo Aleksei Sytsevich (Paul Giamatti), ou Rhino, um verdadeiro tanque de guerra soltando balas para todo lado. Aparece também Harry Osborn/Duende Verde (Dane DeHaan), já mostrado na trilogia anterior, só que agora mais jovem, com uma aparência andrógina que lembra o David Bowie da fase alemã – os produtos pop de hoje trazem essa complexa teia de referências. “Ao contrário dos filmes da Marvel feitos na Disney, que promovem uma reunião de heróis, esse multiplica os vilões”, diz Zagno, para quem a jovialidade de Peter Parker (Andrew Garfield), webdesigner e não mais fotógrafo do “Clarim Diário”, tem expli­cações. O jeito franzino do personagem e do amigo Harry vem do fato de a história basear-se não no quadrinho original, mas na “Versão Ultimate”, que os mostra mais novos, com óbvio ganho para a geração atual. O namorico de Aranha com a colega de escola Gwen (Emma Stone) só vem a calhar. “Tudo ficou mais plausível para os dias de hoje”, diz Zagno.

Foto: Divulgação/ Columbia Pictures Industries, Courtesy of Columbia Pictures/Sony Pictures Imageworks; Scott McDermott