max g pinto

AGLUTINADOR Oposição em 2004, Paulo Skaf hoje é candidato
único à direção da Fiesp e do Ciesp

No final dos anos 20, uma cisão marcou o mundo da então incipiente burguesia paulista. A Associação Comercial de São Paulo, fundada em 1894 por comerciantes e pequenos industriais, era o principal porta-voz dos empresários no Estado, mas desde 1917 era dominada por comerciantes e importadores. Em 1928, uma chapa dissidente se apresentou para se contrapor à chapa oficial, integrada exclusivamente por comerciantes. Para marcar posição, essa chapa oposicionista, liderada por Jorge Street, empresário progressista do setor têxtil, só continha industriais. Ante o racha iminente, surgiu uma terceira via, uma chapa de conciliação liderada por Antônio Carlos Assumpção, importador e exportador com interesses industriais, que afinal saiu vitoriosa. Insatisfeitos, os industriais dissidentes, sob a liderança de Street e Roberto Simonsen, fundaram o Centro das Indústrias de São Paulo (Ciesp), para defender medidas em favor da industrialização do País (leia quadro "O resgate das origens"). Esse episódio marcaria a travessia do Rubicão do empresariado industrial paulista, assinalando o início de sua tomada de consciência política.

Em 2004, o empresário Paulo Skaf, líder do setor têxtil, uniu-se a pesos pesados como Benjamin Steinbruch, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e João Guilherme Ometo, da Cosan, para estancar a perda de prestígio político que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) vinha sofrendo desde o governo Collor, quando o setor financeiro passou a ditar as regras do mundo empresarial. Depois de uma dura disputa pública, com trocas de acusações, Skaf venceu contra o então candidato da situação, Cláudio Vaz. Era a primeira vez que uma chapa de oposição vencia uma eleição no centro de poder da plutocracia paulista desde 1979. Naquele ano em que se iniciaria o mandato do último dos generais-presidentes, empresários liderados por Luiz Eulálio Bueno Vidigal Filho derrotaram o sempiterno Theobaldo de Nigris, que já estava há 13 anos no cargo e tornara a entidade uma mera caixa de ressonância da ditadura. Depois daquele terremoto, a pirâmide da Paulista só sofreria um pequeno abalo em 1992, quando Emerson Kapaz desafiou, mas perdeu a eleição para Mario Amato. A surpreendente vitória de Skaf quase rachou o empresariado paulista, porque seu adversário Cláudio Vaz ganhou a eleição no Ciesp ? algo inédito até então, já que tradicionalmente a chapa vencedora da Fiesp também conquistava o poder no Ciesp. Mas dois anos e meio depois, Skaf se consagra: em 29 de maio, ele será reeleito presidente da Fiesp por um período de quatro anos. Desta vez, ele também abiscoitará a presidência do Ciesp, agora com o apoio do ex-adversário Cláudio Vaz. ?Skaf é dinâmico e determinado e, mais importante do que tudo, tem obsessão pelo crescimento?, atesta seu colega de chapa Benjamin Steinbruch.

Sob a liderança de Skaf, a Fiesp resgatou o protagonismo político de outros tempos, e o empresariado paulista hoje está unido contra a política econômica conservadora do Banco Central. Antes dele, a Fiesp havia sido dirigida pelo político Carlos Eduardo Moreira Ferreira e pelo discreto Horácio Lafer Piva. Nenhum dos dois jamais teve metade do trânsito ou da credibilidade que Skaf construiu nos círculos do poder. E isso se traduziu em ganhos concretos para o empresariado. ?O trabalho de Skaf deu resultados?, diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base (Abdib). E, apesar de ter recebido o apoio de setores do governo, como o vice-presidente José Alencar ? também industrial do setor têxtil ?, Skaf manteve o tom crítico em relação à ortodoxia econômica. Ele foi quem mais cobrou crescimento econômico do País. Gritou tanto e tão alto que conseguiu reconstruir a unidade empresarial.

O trunfo de Paulo Skaf

A postura independente de Skaf lhe garantiu trânsito e credibilidade nos círculos do poder. Na foto, Skaf
com João Ometto (à esq.), o presidente Lula,Luiz Carlos Vieira e Fernando Furlan

No âmbito da Fiesp, Skaf criou conselhos e assessorias de notáveis na Fiesp, para os quais indicou tanto tucanos do calibre dos ex-ministros Paulo Renato Souza (atualmente deputado) e Sérgio Amaral e do ex-embaixador Rubens Barbosa quanto lulistas convertidos, como o ex-deputado e ex-ministro Delfim Netto. Nas pegadas de Roberto Simonsen (1889-1948), o grande defensor da industrialização dos anos 40, de quem se diz admirador, Paulo Skaf se tornou um verdadeiro cruzado do desenvolvimentismo. ?O empresariado nunca teve dúvida em querer o crescimento do Brasil. Apesar de conviver com os juros mais altos do mundo, com um câmbio que tira competitividade de nossos produtos, com a falta de segurança jurídica, de segurança pública ? mesmo com esse cenário hostil, os empresários nunca deixaram de investir no País?, disse Skaf a ISTOÉ. ?Mas não adianta só o empresariado estar sensibilizado?, pondera. Para o presidente da Fiesp, o governo precisa traçar uma política que priorize o crescimento econômico. ?Mas já avançamos um pouco?, admite. ?Há dois anos, o presidente Lula declarou que não tinha pressa para crescer?, diz. De fato, o presidente achava que o crescimento não poderia colocar em risco os ganhos já alcançados com a estabilidade monetária herdada da era tucana. Esse discurso, ortodoxo e conservador, já vinha caducando e finalmente apodreceu quando Lula tomou posse no segundo mandato. ?No final do ano passado, a bandeira dele passou a ser o desenvolvimento?, diz Skaf. ?O governo lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas é preciso agora passar do discurso à ação concreta, abaixando os juros, mudando o câmbio, fazendo as reformas trabalhista, previdenciária e política e reduzindo o gasto público?

A manutenção de uma postura independente e pragmática em relação ao governo ? mesmo tendo Skaf apoiado a indicação do ministro Guido Mantega para substituir Antônio Palocci, ele continuou batendo forte na política monetarista do governo ? lhe granjeou, aos poucos, a possibilidade de reconstruir e ampliar sua liderança na Fiesp e depois projetá-la no Ciesp. Durante sua primeira gestão, a Fiesp restabeleceu sua influência na Confederação Nacional da Indústria (CNI). Também construiu boas relações com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), uma entidade que defende radicalmente posições desenvolvimentistas, presidida por Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas, filho do vice-presidente José Alencar e grande amigo de Skaf. Em termos nacionais, a Fiesp foi responsável pelo lançamento do pacote cambial, que diminuiu as perdas das empresas com a taxa de câmbio. O presidente da entidade empresarial também esteve presente em todas as discussões de desonerações tributárias, que favoreceram empresários dos setores de bens de capital, máquinas e equipamentos. Em São Paulo, ele convenceu o ex-governador Geraldo Alckmin a reduzir os impostos da cadeia do trigo. ?Isso foi fundamental para estimular a competitividade de um setor que vem sendo vítima de uma política absurda de dumping da Argentina?, diz Luiz Martins, presidente do Sindustrigo. ?Sua liderança tem motivado vários empresários a investir no País?, diz Carlos Alberto Oliveira Andrade, do grupo Caoa/Hyundai. O resultado foi que, em julho do ano passado, 90 sindicatos assinaram um documento recomendando a reeleição de Skaf (ele fora eleito com 71 dos 123 sindicatos da Fiesp). E, no final do ano, o Ciesp recomendou a indicação de um candidato único para as duas entidades. A chapa única para a Fiesp/Ciesp foi confirmada na quinta-feira 19.

O trabalho de Skaf ganha projeção se o analisamos contra o pano de fundo da realidade política do Brasil atual, onde o presidente Lula reina soberano. Ele cooptou quase todos os setores e não temos mais uma oposição sólida. Veja-se, por exemplo, o caso do filósofo Roberto Mangabeira Unger, professor titular de direito da Universidade Harvard (EUA). Durante anos, ele foi um crítico acerbo de Lula e do lulismo. Chegou até, no auge da crise do mensalão, a pedir o impeachment do presidente. Na semana passada, ele foi convidado por Lula para chefiar, com status de ministro, a Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo, que deve comandar o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), hoje vinculado ao Ministério do Planejamento. Skaf, porém, permaneceu independente. Lula inclusive já fez várias sondagens para que o empresário indicasse nomes para ministérios da área econômica, como o do Desenvolvimento, e também para a presidência do BNDES. Skaf recusou justamente para preservar sua liberdade de crítica. Além disso, ele comprou várias brigas, internas e externas. Na Fiesp, reduziu mordomias, regalias e reduziu drasticamente os custos. Do lado de fora, peitou até a Polícia Federal. Ele foi o único empresário de peso a criticar arbitrariedades cometidas pela PF em algumas ações que tiveram empresários como alvo.

ana paula paiva

O empresário Cláudio Vaz, adversário em 2004, hoje apóia a reeleição de Paulo Skaf

Aos 51 anos, casado e pai de cinco filhos, Skaf se diz um homem realizado. Caçula de quatro irmãos, ele fechou seu primeiro negócio aos 14 anos, quando ganhou um dinheiro razoável, uma comissão pela venda de um andar na avenida Paulista, de propriedade do pai de alguns amigos, para um grupo empresarial japonês. Quando adolescente, foi escoteiro, experiência que ele recorda com carinho até hoje. ?Viajava mais de sete mil quilômetros de ônibus, dormia no chão sem conforto, fazia a própria comida e caminhava vários quilômetros para encher o cantil de água. E era água morna. Por ter uma liderança natural nessas atividades me tornei chefe de grupo?, disse Skaf numa entrevista à ISTOÉ Gente anos atrás. O entusiasmo pelo escotismo trai uma carreira militar que não se concretizou. Ele revela, aliás, uma atenção especial para o tema Defesa e Forças Armadas. ?Nós temos que dar atenção às Forças Armadas. Veja esse problema dos controladores de vôo. Durante duas décadas, os governos abandonaram as Forças Armadas?, disse ele a ISTOÉ. ?A Marinha não tem recursos para fiscalizar nossas plataformas de petróleo ? uma determinação constitucional ? por causa de recursos contingenciados. O Exército está desequipado e a Força Aérea tinha caças que não voavam mais. Um país como o Brasil, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e oito mil quilômetros de litoral não pode abrir mão de suas Forças Armadas.? Depois do escotismo, Skaf entrou de cabeça na vida empresarial, formou-se em administração de empresas. Trabalhando no setor têxtil, presidiu entre 1999 e 2004 a Associação da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Skaf reergueu o setor, conseguindo exportar a moda brasileira ao mundo. De lá, pulou para a Fiesp, poder que agora consolida. ?Ser apontado como líder em momentos de crise é fácil. Mas em momentos de crescimento é que surgem os verdadeiros líderes, como Paulo Skaf?, diz Antônio Wrobleski Filho, presidente da Zyder Logística.

Com todo esse cacife, é de se perguntar se Paulo Skaf tem ambições políticas no futuro. ?Até aqui, tenho me realizado bastante?, admite. ?Conseguimos essa unidade empresarial e agora temos uma chapa única. Priorizamos o Brasil, não apenas a indústria. Nas discussões internacionais, colocamos na mesa que, se não houver contrapartidas para o setor agrícola, não tem conversa?, pondera. ?Nós nos acostumamos à idéia de que o poder é o governo. Então, sempre nos curvamos a ele. Na verdade, a força é a sociedade organizada, que tem que cobrar, exigir, fiscalizar.? Pequena pausa. ?Agora, o futuro a Deus pertence. Nunca militei na política partidária, não tenho partido nem nunca tive. Mas, na vida, falar que desta água não beberei é muito arriscado. Há dez anos, quando eu passava pela avenida Paulista, jamais imaginei ocupar a presidência da Fiesp…?

O RESGATE DAS ORIGENS
O trunfo de Paulo Skaf
 
fotos: roberto jayme/agência estado/ae
OS FUNDADORES DA FIESP Antonio Devisate, José Ermírio
de Morais, Carlos von Büllow Alfried Weiszflog (em pé);
Horácio Lafer, Jorge Street, Francisco Matarazzo, presidente, Roberto Simonsen e Plácido Gonçalves Meirelles (sentados).
A primeira diretoria do Ciesp, em 1928, marco do empresariado

A organização classista da indústria paulista nasceu com a fundação do Centro Industrial de São Paulo (Ciesp), em 1928. Já a Fiesp só surgiria em 1931, nos moldes dos sindicatos corporativos criados durante o governo Getúlio Vargas. O primeiro presidente do Ciesp foi o conde Francisco Matarazzo, chamado “príncipe da indústria paulista”. Ao lado dele perfilavam notáveis como Jorge Street, Roberto Simonsen, José Ermírio de Moraes (Votorantim), Carlos von Büllow (Antarctica), Horácio Lafer (Klabin), entre outros. A batalha pelo desenvolvimento foi árdua desde o início. O vice-presidente do Ciesp Roberto Simonsen (1889-1948) tornou-se o principal porta-voz dos industriais, crítico do predomínio dos setores agrário-exportadores na economia e defensor da política industrializante adotada pelo governo Getúlio Vargas. Foi nosso primeiro desenvolvimentista.

Seu principal crítico foi o renomado professor Eugenio Gudin, arauto do liberalismo, que baixava o sarrafo na intervenção estatal na economia e defendia a “vocação agrícola” do Brasil. Comentando o debate muitos anos depois, o economista Roberto Campos diria que Simonsen venceu a disputa no curto prazo, já que suas idéias foram implantadas por Vargas, mas que Gudin riria por último, pois nos anos 90, depois de décadas de estatismo econômico, suas teses de desregulamentação se impuseram. Hoje, depois de um longo inverno, os desenvolvimentistas voltaram a ter voz. E a Fiesp, depois de Skaf, tornou-se seu mais poderoso porta-voz.