Hitler garantiu a Stálin que a tropa alemã estacionada
na fronteira russa fazia treinamento para invadir a Inglaterra.
Mas quem acabou invadida foi a própria Rússia

Adolf Hitler foi o grande ditador e sanguinário nazista que levou a Alemanha e o mundo à Segunda Guerra Mundial. Josef Stálin foi o grande ditador e sanguinário comunista que implantou o terror na extinta União Soviética. Entraram para a história simplesmente como cão e gato porque combateram em lados opostos. Na verdade, a relação entre os dois era muito mais complexa do que uma disputa de ideologias e é isso que faz do livro Junho de 1941: Hitler e Stálin (164 págs., R$ 34) uma das leituras mais empolgantes dos últimos tempos. Assinado pelo historiador americano de origem húngara John Lukacs, a obra permite uma visão surpreendente das razões de Hitler e da atitude negligente e criminosa de Stálin, que em um primeiro momento facilitou a invasão da Rússia pelos nazistas. Uma das grandes revelações do livro é a reprodução da segunda das cartas enviadas pelo ditador alemão a seu colega russo nos seis meses que antecederam essa invasão. Datada de 14 de maio de 1941, nela Hitler reitera a sua disposição de aniquilar a Inglaterra, se diz “absolutamente sincero com o senhor (Stálin)” e assegura que todas as tropas estacionadas ao longo da fronteira russa (80 divisões) estavam lá para realizar um mero treinamento para a invasão do território inglês. Se alguns dos generais alemães saísse da linha, Stálin deveria avisá-lo. Assegura assim a sua intenção de paz, por sua “honra de chefe de Estado”. E Stálin acreditou.

No dia 22 de junho de 1941, um domingo, a Rússia foi tomada de assalto pela Operação Barba Ruiva que dispôs de três milhões de homens, dez mil cavalos, 600 mil veículos, sete mil armas, dois mil aviões e mais de três mil blindados. Desnecessário dizer que a Força Aérea soviética foi aniquilada em terra, já que havia sido estudada nas incursões de aviões alemães permitidas pelo próprio Stálin, que havia assinado com Hitler um pacto de não-agressão em 1939. Segundo Lukacs, existiam mais semelhanças do que diferenças entre os dois, embora as últimas fossem gritantes. Enquanto Hitler era um austríaco que se via como alemão e dominava esse povo que vivia um momento histórico de prosperidade, Stálin liderava os povos da União Soviética, que depois da revolução de 1917 e dos expurgos feitos por ele próprio (cinco milhões de presos, 500 mil mortos) sofriam por uma economia quebrada.


CALCULISTA Dizendo-se “absolutamente sincero”,
Hitler aumentava sua fama de grande estrategista ao cortejar Stálin

Segundo o livro, Stálin era um homem sensível na medida em que alguém que promove expurgos e ordena assassinatos pode ter sensibilidade. Entrou em colapso após o suicídio da mulher no começo dos anos 30 e voltou a se abalar com a invasão alemã. Desapareceu em sua Dacha, residência de verão dos russos, durante uma semana. Mesmo restabelecido, vez por outra entrava em desespero. Dizia para seus colaboradores: “Vamos destruir tudo o que Lênin construiu.” A contra-ofensiva, denominada Operação Urano, só começou a surtir efeito em dezembro do ano seguinte, forçando os alemães a dar marcha à ré até Berlim. Lukacs afirma também que Hitler invadiu a Rússia para que ela não apoiasse a Inglaterra. A idéia era uma guerra relâmpago, algo perfeitamente possível, já que os exércitos de Stálin não se deram bem em incursões anteriores, motivadas pelo próprio expansionimo nazista. Hitler pediu a colaboração do Japão, que preferiu investir contra os EUA, expandindo-se a sua maneira – o ataque a Pearl Harbor se deu em dezembro daquele ano. A entrada dos americanos, a reação dos russos e a resistência dos ingleses destruiu o rolo compressor alemão. O fato é que até junho de 1941 muitos comunistas desertaram de seu partido ao verem Stálin apoiar Hitler, enquanto ele, por sua vez, era saudado pelos seus aliados como estrategista brilhante ao cortejar Stálin. Se os japoneses resolvessem atacar a Rússia, os americanos talvez não entrassem na guerra e o mundo seria hoje diferente. Hitler e Stálin foram tiranos, mas foram gigantes.

AP

SENSÍVEL Stálin teria se isolado uma semana na
residência de verão, abalado com a invasão alemã

E estavam destinados, ainda que tenham se aproximado em amizade, a se aniquilarem reciprocamente.