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Será necessário percorrer duas décadas para realizar um filme realmente original? Sempre me intrigou ver relatos de cineastas que arrastaram suas obras ao longo de oito ou nove anos para conseguir finalmente pari-las e devolvê-las para o mundo, muitas vezes já exauridos, sem fundos e sem ânimo.

Carlos Nader levou nada menos que 20 anos para filmar e principalmente formar sua obra “Homem Comum”, que acaba de ganhar o prêmio Melhor Documentário Brasileiro de Longa-metragem do festival “É Tudo Verdade”, iniciativa que, simbolicamente, também foi concebida há quase 20 anos.

Para começar, além do vastíssimo tempo de gestação, o filme cria uma categoria nova que não encontra uma etiqueta que o defina. Não é exatamente o que se convencionou chamar de documentário, apesar de seguir, de maneira obsessiva, grande parte da vida de um caminhoneiro com traços flintstonianos chamado Nilson Batista. Não é uma ficção, apesar de ter sido rodada num castelo na Inglaterra uma parte em que atores contratados recriam cenas inspiradas num longa-metragem dinamarquês perturbador sobre fé e morte, o clássico “A Palavra”, de Carl Theodor Dreyer, cujas cenas estranhas, belas e cativantes também aparecem na costura da fita. Uma mente inquieta que resolve sondar o que a incomoda e a mantém viva usando a câmera como espéculo. Um filme sobre a inexorabilidade do tempo e que cuida de nos aproximar de forma implacável e suave daquilo que insistimos (em vão) em tentar manter longe de nossos pensamentos: a hora da nossa morte.

Uma tentativa quase desesperada de, nas palavras do próprio cineasta, “enfiar metafísica goela abaixo do homem simples”. A descoberta, depois de um longuíssimo percurso, das revelações quase sagradas que aquela alma supostamente mais rústica e menos lapidada é capaz de oferecer em cada passo de sua existência tão patética e tão sublime quanto todas as outras e que por vezes funciona como um espelho capaz de refletir toda a amplitude da nossa debilidade. Que diabos é afinal “O Homem Comum”? Um espéculo manuseado com delicadeza e sensibilidade que, enfiado em nossas goelas, vai remexendo, revolvendo, abrindo caminhos, penetrando cada vão das nossas quebradas, ligando circuitos e provocando conexões entre vasos que não se comunicavam. Dê um jeito, vá atrás. Você precisa conhecer Nilsão, um caminhoneiro que tem a sua cara. 

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