Uma vida não tem preço. Mas as indenizações às famílias das vítimas de tragédias como quedas de aviões, naufrágios e desabamentos de edifícios são necessárias para dar conforto material aos sobreviventes e, acima de tudo, a sensação de justiça feita. Os familiares das 154 vítimas do vôo 1907 da Gol, que colidiu em pleno ar com um jato Legacy, em setembro, já começaram a se preparar para enfrentar uma longa batalha judicial para garantir seus direitos. O primeiro passo foi dado na segunda-feira 6. Advogados americanos contratados por duas famílias entraram com processos nos Estados Unidos contra a Boeing, fabricante da aeronave; a Honeywell, que produz os equipamentos anticolisão dos aviões; e a ExcelAire, dona do Legacy. A intenção dos processos é garantir que as empresas envolvidas se responsabilizem financeiramente pela morte das 154 vítimas e garantam o sustento dos dependentes. E como se define o valor monetário de uma pessoa?

Em um seguro de vida tradicional, o que vale é o estipulado na apólice. Geralmente, o contratante é quem define essa cifra, com base em quanto quer pagar e quanto quer deixar para a família em caso de morte acidental ou natural. Num processo judicial envolvendo a culpabilidade de prestadores de serviços, o cálculo leva em conta inúmeras variáveis, como a idade e a profissão da vítima e a legislação pertinente. No Brasil, a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em 1991, alterou os mecanismos de cálculo de indenização. No caso dos acidentes aéreos, o antigo Código Brasileiro de Aeronáutica previa o pagamento de uma quantia limitada a R$ 125 mil. Mas, com o CDC, essa regra foi deixada de lado. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), existe uma relação de consumo entre passageiros e companhias aéreas. A transportadora é responsável pelo não cumprimento do contrato que garantia o transporte do passageiro de uma localidade a outra. E o código do consumidor afirma que essa responsabilidade é objetiva – o que garante o pagamento de indenização independentemente de culpa – e ilimitada, ou seja, leva em conta a renda das pessoas no valor da indenização.

Aos parentes das vítimas com processo na Justiça brasileira, cabe dois tipos de compensação financeira: por danos materiais e por danos morais. A indenização por dano moral se refere ao mal causado aos familiares pela morte do parente. Trata-se de uma avaliação subjetiva por parte do magistrado. “Depende muito da cabeça de cada juiz e da gravidade do caso, pois não existe lei que defina um valor exato”, afirma o advogado Sérgio Alonso, especialista em direito aeronáutico. Em geral, os valores nos casos de morte acidental ficam em torno de R$ 100 mil, segundo especialistas ouvidos por ISTOÉ. Mas há exceções. No naufrágio do barco Bateau Mouche, que matou 55 pessoas no Rio de Janeiro, em 1988, a cifra alcançou três mil salários mínimos, o que hoje equivaleria a R$ 1 milhão.

O dano material procura levar em conta o que os dependentes vão deixar de receber devido à morte de seus provedores. Para isso, todos os rendimentos comprovados da vítima durante um ano são somados. Desse total, um terço não é contabilizado, pois se refere a gastos pessoais que a vítima teria. Os dois terços restantes são multiplicados pelo número de anos que faltam para a pessoa completar 65 anos. A indenização de pessoas que não têm renda, como as donas-de-casa, é calculada levando em consideração um salário mínimo como renda. No caso de morte de crianças, o cálculo é outro. Segundo a jurisprudência do STJ, crianças e bebês só começariam a trabalhar por volta dos 14 anos e contribuiriam para o orçamento doméstico com dois terços de um salário mínimo até a idade do casamento, cerca de 25 anos. Dessa maneira, a indenização máxima seria calculada multiplicando-se dois terços de um salário mínimo por 11 anos (cerca de R$ 33 mil). Nem sempre as famílias concordam com os resultados, pois há muitas variáveis não consideradas no processo. “E se a pessoa estivesse desempregada no momento da morte? Valeria menos? E como ficam as possíveis promoções que ela teria na carreira?”, afirma Leonardo Amarante, advogado de dez famílias de vítimas da Gol e que atuou no caso do Bateau Mouche.

Os processos indenizatórios são longos e avançam por mais de uma década. O desabamento do edifício Palace II, no Rio de Janeiro, em 1998, é emblemático das deficiências da Justiça. As indenizações que já foram pagas (R$ 17 milhões) não alcançam 20% do valor total devido às vítimas. Já o processo criminal foi rápido: o ex-deputado Sérgio Naya, cuja construtora utilizou areia de praia na construção do prédio, foi absolvido em 2005. “O pior não é não receber. É a absolvição do crime. O assassinato da minha filha ficou impune”, afirma Bárbara Alencar. Sua filha Luísa e outros três parentes estão entre as oito vítimas fatais do desabamento.

Nos EUA, os processos não duram mais do que dois anos e a vida vale muito mais. Os valores das indenizações são estipulados por júri popular. O dano moral é agravado e tem caráter punitivo (“punitive damage”), para servir como exemplo. No caso da queda do Fokker da TAM, isso fica evidente. O reverso da turbina, equipamento responsável pelo acidente, foi fabricado por empresas americanas (Northrop e Teleflex). Das 99 famílias das vítimas do Fokker, 65 foram para a Justiça americana e conseguiram indenizações entre US$ 500 mil (R$ 1 milhão) e US$ 1,5 milhão (R$ 3,2 milhões). Outras 34 famílias que fizeram acordo com a TAM receberam cerca de US$ 145 mil (R$ 310 mil) cada uma.