A rainha egípcia Cleópatra (69 a.C.-30 a.C.) já depilava o corpo, e vem dessa época o recurso de arrancar os pelos com cera quente, técnica aperfeiçoada e usada até hoje. No início do século XX, a sociedade ocidental implantou praticamente a obrigatoriedade de as axilas femininas serem lisas, como sinônimo de beleza. Até chegar aos dias atuais, em que as mulheres resolvem ter liberdade para, enfim, não depilar as axilas. Para mostrar que a opção não é restrita a um grupo pequeno, o fotógrafo israelense radicado em Londres Ben Hopper criou a série “Natural Beauty” (beleza natural, em inglês), em que fotografa belas moças com muitos pelos embaixo dos braços. O coletivo de arte político-poética Além, sediado em São Paulo, também se inspirou na liberdade para produzir fotos de mulheres nuas e peludas.

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ENSAIO
O fotógrafo israelense Ben Hopper criou a série "Natural Beauty",
em que retratou belas mulheres com muitos pelos embaixo dos braços

O assunto também provoca polêmica na publicidade. A marca Veet, de cremes depilatórios, fez um comercial recente comparando mulheres que não depilam as axilas a homens. As peças publicitárias, que foram ao ar somente nos Estados Unidos, na semana passada, foram criticadas duramente pela mídia internacional e pelas mulheres, especialmente as jovens. “A depilação é item básico nas representações midiáticas da beleza feminina”, diz Adriana Braga, professora do Departamento de Comunicação da PUC-Rio e pesquisadora do CNPq. “Trata-se de uma prática naturalizada, o que não quer dizer que seja natural.”

Ben Hopper, que contou com presenças ilustres em seu projeto fotográfico, como a cantora americana Amanda Palmer e a atriz sueca Emilia Bostedt, disse que “algumas deixaram os pelos crescer especialmente para as fotos”, uma forma de apoiar a iniciativa. O fotógrafo declarou achar sexy mulheres com atitude para bancar as axilas fora dos padrões. Também em Londres, como fruto de um trabalho de mestrado de antropologia visual na University of London, o documentário “My Body, My Hair” (meu corpo, meus cabelos, em inglês) fez sucesso nas redes sociais em outubro ao propor uma reflexão sobre a naturalidade dos pelos nos corpos das pessoas, independentemente de gêneros.

Atrizes como Drew Barrymore e Julia Roberts e as cantoras Madonna e Beyoncé são algumas entre várias celebridades que já foram fotografadas sem estarem depiladas. No Brasil, a moda também já chegou. Fotógrafa do coletivo Além, a catarinense Núbia Abe disse que seus braços não são mais tocados por lâminas ou ceras desde setembro, quando iniciou o projeto Pelos Pelos, que trata do assunto. “É preciso tomar essa postura de vanguarda para naturalizar nossos pelos, tirar a mulher desse padrão estético absurdo”, diz. A ex-participante do Big Brother Brasil 14 Bella Maia não se depilou durante o programa e recebeu críticas ao fazer um ensaio sensual sem se desfazer dos pelos. “Defendo a liberdade de a mulher ter a axila da maneira que ela quiser. Que poder é esse que os pelos têm que impedem a gente de fazer qualquer coisa?”, questiona ela, que garante nunca ter deixado de colocar uma roupa sem mangas por causa da ausência de depilação.

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Do ponto de vista da saúde, os pelos podem, sim, ser aliados da mulher. “Eles existem no corpo para proteção e aquecimento. Por outro lado, ao retirá-los previnem-se alguns tipos de bactérias. Mais importante do que ter ou não, é manter a área limpa e cuidada”, diz Lôua Unger, coordenadora estética do W Spa, no Rio. A dermatologista Renata Marques, da rede Dicorp, desaconselha apenas o uso de “roupas com tecido sintético, para evitar um cheiro mais forte embaixo dos braços devido aos pelos”.

A pesquisa “Hábitos de beleza da brasileira no verão e inverno”, encomendada pela P&G (multinacional de produtos de beleza) para o Instituto Ilumeo, revelou que apenas 2% das mulheres não depilavam a axila, mostrando quão forte é a cultura contra os pelos. O estudo foi realizado com 1.179 mulheres do Sudeste do País, de 25 a 32 anos de idade. “Fazer depilação é uma questão de higiene associada à estética. Não acho que essa moda vá pegar por aqui”, afirma a dermatologista Gabriella Vasconcellos, do Goa Health Club, centro de estética no Rio. “Esse é o único argumento que usam contra a depilação, e não é verdade. Ninguém se mete com os pelos dos homens, só com os nossos”, afirma a fotógrafa Nubia.

Em outros países da Europa e dos Estados Unidos, o modismo atingiu também os pelos pubianos. Artistas como Cameron Diaz andam na contramão da depilação íntima total, em busca de um visual mais natural. Madonna divulgou, no mês passado, uma imagem com a axila peluda em redes sociais e provocou muitos comentários. Com o debate instalado, ela revelou que o visual fora feito para um ensaio de moda. “Quem sabe, com todas essas discussões, se ampliem as opções femininas, em que um corpo sem depilação seja uma possibilidade estética real”, afirma a professora universitária Adriana Braga. E, tudo indica, muitas outras mulheres.

Fotos: Ben Hopper