Tida como chique por seus admiradores, essencial para as famílias que alegam depender da atividade e inominável para os ambientalistas, a caça à raposa – um esporte eminentemente inglês copiado em algumas partes do mundo – está passando por uma fase delicada em seu país de origem. Em 2004, o Parlamento inglês baixou uma lei com o objetivo de proibi-la. O problema é que, 18 meses depois, a prática não foi banida. Isso porque a legislação deixou brechas que os caçadores estão aproveitando. A chamada Hunting Act, na verdade, regulamenta a utilização de cachorros na caça a animais selvagens, notadamente lebres, alces, minks (visão) e, claro, raposas. De acordo com a lei, são permitidos até dois cães a cada incursão nas matas inglesas. Para os conhecedores, entretanto, o esporte exige uma matilha de pelo menos 30 animais.

De todo modo, o interesse pelo esporte tem aumentado. Os cachorros continuam matando, as raposas morrendo e, embora alguns caçadores tenham sido presos aqui ou ali, não há notícia de que alguma loja especializada em equipamentos para essa prática tenha sofrido sanções. Uma das principais brechas da legislação é a permissão do desentocamento de mamíferos para serem caçados por aves de rapina, como falcões e águias. Ou seja, já que a atividade, em tese, é outra, os cães poderiam voltar a correr atrás das presas. Logicamente, os organizadores de caçadas passaram a criar pacotes que combinam aves e cachorros. A dificuldade em aplicar a lei reside justamente em definir onde acaba “o desentocamento” e onde começa “a perseguição”. Quem sai perdendo é sempre a raposa. Se escapa dos cães, acaba morta a tiros, uma vez que as aves só funcionam em teoria. Elas só podem capturar um animal de pequeno porte, que, no caso, é estraçalhado. Ou podem sair carregando algum cachorrinho de madame por engano.

Isso é mais comum do que se pensa, uma vez que grã-finos não faltam entre os
fãs do esporte. Todos andam devidamente paramentados com camisas brancas, gravatas modelo Ascot (curtas, largas e cruzadas no peito), coletes, paletós (negros para mulheres e vermelhos para os homens), culotes, botas lustrosas e os indefectíveis bonés. Tal esmero foi ironizado por Oscar Wilde, intelectual do século XIX, para quem a caça à raposa era “o inefável em busca do incomível”. Nem
isso talvez. O que fazem os cavaleiros, algo em torno de uma centena a frente de outros tantos devidamente motorizados, é seguir os verdadeiros caçadores e os whippers-in, nome dado para aqueles que conversam com a matilha. A festa, de
fato, é deles, os whippers-in, mesmo porque os cavaleiros têm de ficar longe para não desviar a atenção dos cães farejadores. Como esse esporte é praticado em áreas florestais, praticamente inacessíveis para não iniciados, a fiscalização acaba se tornando impossível.

A idéia dos adeptos da prática é fazer corpo mole até que o próximo governo – que tomará posse daqui a cinco anos, se o atual não for reeleito – derrube o veto. Afinal, muitas famílias vivem da caça. Há séculos, diga-se. Além disso, na Inglaterra é comum encontrar-se caçadores e whippers-in negros, indianos ou asiáticos.

Um dos meios encontrados para a preservação da atividade é a chamada drag hunt. Antes do início da caçada, são feitas trilhas borrifando-se urina de raposa, glicerina e água. Dessa forma, os aspectos mais “aeróbicos” do esporte, que são as caminhadas, os saltos de obstáculos e a exploração de território, continuam existindo sem que nenhum animal seja sacrificado – se bem que, vez ou outra, os cachorros encontram trilhas “de verdade” para seguir.

Mas mesmo a tradição, que é a bandeira dos defensores do esporte, é contestada por seus oponentes. Segundo eles, a caça à raposa foi formatada na Inglaterra na segunda metade do século XVIII. A defesa dos animais, porém, é uma luta anterior a essas atividades. Prova disso são os quatro painéis pintados por William Hogarth em 1751, significativamente intitulados Os quatro estágios da crueldade. O pintor inglês mostra como o homem que maltrata um animal pode perfeitamente maltratar seu semelhante. Com ou sem uniforme.