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RECORDE Em 1995 o Abaporu foi vendido por US$ 1,25 milhão

No dia 1º de maio completam- se 80 anos do lançamento do Manifesto Antropofágico, escrito por Oswald de Andrade, que trazia palavras de ordem como "a alegria é a prova dos nove" e "tupi or not tupi, that’s the question". Na comemoração desse momento fundamental do modernismo brasileiro, ver no Brasil a tela que o inspirou, o Abaporu, de Tarsila do Amaral (1886- 1973), só está sendo possível graças à generosidade do museu Malba, de Buenos Aires. Proprietário da obra, o museu criado pelo empresário argentino Eduardo Constantini cedeu a tela para a exposição Tarsila viajante, que acontece na Pinacoteca do Estado, em São Paulo, a partir do sábado 19. Pintura brasileira mais cara comercializada internacionalmente, Abaporu (homem que come gente, em tupi-guarani) foi arrematada por Constantini em novembro de 1995 em leilão da Christie’s de Nova York: US$ 1,25 milhão. Hoje estaria valendo, num cálculo pouco otimista, algo em torno de US$ 10 milhões, segundo o galerista Ricardo Camargo, um dos principais marchands de obras modernistas.

"Abaporu não poderia ter saído do Brasil. Vendi porque precisava de dinheiro"
RAUL FORBES

Especula-se que esse teria sido o valor recusado por Constantini há dois anos, quando o galerista e investidor paulista Raul Forbes tentou repatriar a tela numa operação envolvendo um pool de empresários. O presidente do museu argentino teria dito que Abaporu está para o Malba como Mona Lisa para o Museu do Louvre, em Paris. Ou seja: de lá ele não sai. Ou só sai para algumas mostras que lhe agradam, como a atual, que vai para Buenos Aires em março – portanto, na data mesmo da festa de oito décadas, Abaporu não estará entre nós. A Argentina só o emprestou. Mas já é uma evolução. Em outra ocasião, em 2006, quando a Bolsa de Mercadorias & Futuros de São Paulo promoveu uma mostra de Tarsila em sua sede, Constantini teria estipulado um seguro absurdo, o que inviabilizou o empréstimo.

A obra-prima de Tarsila, que mostra um ser gigantesco em posição de descanso, com o braço apoiado na perna desproporcional e a cabecinha de palito sustentada pela mão, será exibida no segmento Brasil Mágico da exposição Tarsila viajante, dedicado à sua fase antropofágica. Segundo a curadora da mostra, Regina Teixeira de Barros, nesse momento a artista abandona o cubismo da fase Pau Brasil e envereda por um caminho mais surrealista. "Ela olha para a infância, para a cultura popular, e tenta criar uma visualidade para o Brasil", diz Regina. Além de obras como Cartãopostal, Sol poente, O lago, A lua, Manacá e O sonho, Abaporu estará ao lado de duas telas-irmãs: A negra e Antropofagia. Essa última soma as figuras das duas outras e esteve na mira do mesmo Constantini antes de o acervo do casal paulista José e Paulina, da tradicional família Nemirovski, ter sido amparado por uma fundação.

MODERNA A tela São Paulo é uma estilização do Anhangabaú

Na época de sua venda, houve tentativas de se tombar a obra. Segundo Forbes, seu proprietário no período, foi essa manobra que inviabilizou a permanência da tela no País. "Sou uma anta. Eu achava que esse quadro não podia sair do Brasil, mas perdi muito dinheiro e precisava vendê-lo", diz. "Procurei todos os colecionadores e museus, ofereci para a Bolsa de Valores, para a BM&F. Ninguém quis. Aí, quando um imbecil do patrimônio veio com a história do tombamento, todos os possíveis compradores nacionais se afastaram." Forbes havia comprado a tela em 1984 por US$ 250 mil do colecionador Érico Stickel, que por sua vez a adquiriu da galeria Mirante das Artes, do falecido Pietro Maria Bardi, que foi diretor do Masp por 43 anos. "Não só o Abaporu como muitas outras Tarsilas passaram pelas mãos de Bardi e ele não adquiriu nenhuma delas para o Masp", diz Forbes. Na verdade, nem poderia, porque criaria um problema ético, sendo dono de galeria e diretor de museu.

PRESENTE Tarsila pintou o Abaporu para dar ao marido, Oswald de Andrade

Cansado do epíteto de "o homem que vendeu o Abaporu", Forbes tem encabeçado informalmente um movimento tão nacionalista como aquele dos "antropofágicos" modernistas. Defende uma união de forças para o repatriamento da obra, que avalia em US$ 25 milhões. "Quarenta, cinqüenta milhões de reais, isso não é nada para um banco. Se algum deles comprasse, teria mídia para o resto da vida", diz ele. O que aconteceu com a obra de Tarsila foi o mesmo que se deu recentemente com a Coleção Adolpho Leirner, vendida integralmente para o Museu de Belas Artes de Houston, nos EUA, diante do desinteresse dos colecionadores e museus brasileiros – alguns vivendo à míngua, como se sabe. O melhor da arte brasileira, aliás, nem está nos museus, mas nas mãos de colecionadores privados. Na mostra Tarsila viajante, por exemplo, serão exibidos 16 desenhos inéditos, feitos durante uma viagem de navio ao Oriente Médio. Ao todo, essa série, que veio à luz na preparação do catálogo raisonné de Tarsila (classificação de toda a obra conhecida de um artista), previsto para março, reúne 130 desenhos. A maior parte pertence a um mesmo colecionador. Diferentemente de Constantini, ele não quis emprestá-los.

TRÊS FASES DE TARSILA