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US$ 200 BILHÕES era o valor de mercado da Microsoft em 1995. Hoje vale US$ 55 BILHÕES

PIADA Bill se despede da Microsoft tocando uma guitarra de brinquedo com o músico Slash

Intrigante ironia do destino. Depois de dominar o mundo dos computadores pessoais com o seu Windows e promover uma revolução de produtividade das empresas, Bill Gates acabou vítima do próprio sucesso. Superado pelo ritmo alucinante da revolução tecnológica, ele perdeu o passo na hora de ingressar na era de conectividade e interatividade da internet – e na semana passada, durante a mais famosa feira de eletrônicos do mundo, a Consumer Electronics Show (CES), anunciou que deixará o cargo de presidente da Microsoft. Ele vai agora se dedicar à Bill and Melinda Foundation, a instituição filantrópica que comanda com a mulher, Melinda Gates. PIADA Bill se despede da Microsoft tocando uma guitarra de brinquedo com o músico Slash

Se não está sendo sumariamente deletado, também não se pode dizer que Gates esteja promovendo uma saída voluntária. Bill, como é conhecido por seus funcionários, não acompanhou a frenética troca de bytes que avançam na incrível velocidade da banda larga. Seu território, pode-se analisar agora, era o da comunicação da máquina com o homem. Mas, na hora em que as pessoas começaram a usar os chips e os programas para falar umas com as outras, a Microsoft não alcançou o mesmo sucesso. Durante mais de uma década, Bill Gates lutou, tentando abrir novas janelas – mas a própria internet tratou de fechá-las.

Perdeu a primeira batalha na década de 90 com a chegada dos vírus virtuais via e-mail que danificaram e trouxeram falhas operacionais a sua menina- dos-olhos, o Windows. Depois foi a vez de pagar milhões de dólares em multas à Comissão Européia sob a acusação de monopólio. Como numa fileira de dominós, onde a queda de um provoca a queda do outro, Gates acumulou alguns insucessos até acontecer o que parecia impossível: dono de uma fortuna estimada hoje em US$ 50 bilhões, ele deixou de ser o homem mais rico do mundo em julho de 2007, quando o magnata mexicano Carlos Slim, dono da América Móvil, arrebatou-lhe o título. Mais do que representar o fim da era Bill Gates, o que está por trás de sua retirada é a ascensão de uma época marcada pela mobilidade, interatividade e conectividade que pulveriza o poder entre várias empresas, inviabilizando virtuais monopólios, como o da Microsoft. Por causa do PC, da Microsoft e da internet, o mundo ficou mais fragmentado e menos corporativo, mais individual e competitivo, e essa é a nova revolução da informática.

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FILANTROPIA Empenhado em projetos sociais, Gates doou US$ 750 milhões para a vacinação de crianças em países pobres

"Mesmo quando criança, Bill Gates tinha uma personalidade obsessiva e um desejo compulsivo de ser o melhor", dizem James Wallace e Jim Erickson no livro Hard drive. Com a ajuda de seu amigo de infância Paul Allen, William Henry Gates III fundou em 1975 a poderosa Microsoft, após abandonar o curso de economia da Universidade de Harvard. Tinha apenas 19 anos e mostrouse um visionário. Graças ao chip, a indústria do hardware criara a capacidade de diminuir o tamanho do equipamento, ao mesmo tempo que aumentava sua capacidade de processamento. Mas ninguém conseguiria conversar com aquelas máquinas, a menos que fizesse um longo e custoso curso de programação de computadores.

Bill Gates então ensinou analfabetos a ler a nova língua. Deu o primeiro passo de sua pequena empresa quando personalizou o programa chamado MSDOS e o vendeu à IBM justamente quando ela se preparava para lançar no mercado o primeiro computador pessoal, o PC. Com o lema "um computador pessoal em cada escritório e em cada lar", Bill e Paul conduziram a Microsoft para todas as áreas da indústria do software. Após 23 anos, a empresa dos dois garotos prodígios detinha o monopólio virtual do mercado, com 90% dos PCs rodando seus programas. E o segredo desse sucesso foi a intensa dedicação de Bill Gates em cada fase do processo de criação e desenvolvimento dos softwares da Microsoft. "Ele é um maníaco. Sabe mais do produto do que nós. E quando vamos para uma reunião com ele saímos transpirando porque, se há algo de errado, ele esmiúça tudo", diz um ex-gestor no livro de Michael A. Cusmano e Richard W. Selby, Microsoft’s secrets.

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FUTURO Ao lado de sua esposa, Melinda, o empresário irá se dedicar integralmente à sua fundação percorrendo o mundo e doando medicamentos para o tratamento da Aids

Ao longo dos anos, Gates apenas confirmou sua fama de visionário – levou o PC a ganhar a batalha do hardware, fez do Word a linguagem mais falada do mundo, transformou o Excel num recurso imprescindível às empresas e o Powerpoint num auxiliar dos mundos acadêmico e executivo. Em 1995, no auge do sucesso da Microsoft, liderava o ranking dos mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes, com nada menos que US$ 130 bilhões. Mas a mesma tecnologia que lhe deu a fama puxou seu tapete. E o império Microsoft passou a ser atacado por inimigos até então desconhecidos. Desde 2000, o valor nominal da empresa vem caindo após o estouro da bolha da Nasdaq. E, surfando na tecnologia da fibra óptica, a internet ganhou a incrível velocidade da banda larga, rompendo barreiras físicas e levando a imagem e o som para praticamente qualquer lugar do planeta.

Na mesma época em que a Microsoft sentiu que sua fortaleza não era indestrutível, Bill Gates e sua esposa, Melinda, começaram um novo projeto, a Bill & Melinda Gates Foundation, a maior fundação de caridade do mundo. Ali, Gates doou US$ 5 bilhões para pesquisa com o objetivo de aumentar a colaboração internacional e a troca de informações científicas para obter uma vacina contra a Aids. O trabalho na fundação ao lado da esposa e de seu pai somado ao stress e a cobranças intensas de resultados que a Microsoft passou a sofrer incentivaram Bill Gates a sair aos poucos de cena. Em 2000, ele promoveu Steve Ballmer, um antigo amigo, ao posto de presidente da Microsoft, passando publicamente a ter uma participação menos ativa nos processos decisórios da empresa. Mas ele ainda era Bill Gates, o capitão da Microsoft. "Essa saída foi muito planejada. Ele vem preparando há anos os novos sucessores, Ray Ozzie e Craig Mundie. É um homem de visão", diz Luiz Marrey Moncau, diretor de negócios da Microsoft Brasil. "Assim como Antônio Ermírio de Moraes, Bill Gates deixa a presidência, mas sua empresa continuará com seu DNA. A Microsoft se prepara para entrar numa nova fase, com produtos que ofereçam maior interatividade e conectividade."

O empresário sentiu a força da internet e sua política do software livre quando, em março de 2004, a Comissão Européia multou a Microsoft em 497 milhões de euros (R$ 1,4 bilhão) e ordenou à companhia que providenciasse as versões do Windows sem o Windows Media Player. A comissão concluiu que a Microsoft estava desrespeitando uma lei muito severa da União Européia, que a acusava de estar monopolizando o mercado de vendas de sistemas operacionais para grupos de trabalho e mídia players. Foi assim que a Microsoft lançou uma versão do Windows XP sem o Windows Media Player instalado para encorajar os usuários a usar e baixar outros mídia players.

A internet mostrou que é possível trabalhar em um computador sem usar o programa Windows. Foi assim que o governo holandês determinou que, até abril de 2008, todos os seus órgãos passem a usar softwares livres. Certamente, a maior prejudicada pela medida é a Microsoft, que domina uma enorme fatia desse mercado. A partir de agora, o governo do país terá de aposentar, por exemplo, os programas do pacote Office e o sistema Windows e passar a utilizar as versões gratuitas além de adotar sistemas como o Mozilla Firefox para acesso à internet, em detrimento do Internet Explorer, de Bill Gates. O ministro de Relações Econômicas, Edwin van Scherrenburg, disse que a expectativa é economizar US$ 8,8 milhões (R$ 15,6 milhões) por ano, devido aos menores gastos com licenças. O ministro holandês também anunciou planos de criar um órgão que ajude as instituições do governo na adoção dos novos softwares livres e também de uma agência que fiscalize se a determinação está sendo cumprida.

"No setor de tecnologia da informação aprende-se que para cada fase existe o funcionário adequado. Não se pode pensar em um mesmo homem ocupando o mesmo cargo durante a vida toda de uma empresa", diz Hernan Ambruster, diretorgeral da Trend Micro no Brasil, uma das empresas de softwares mais importantes da atualidade. "A fibra óptica possibilitou a banda larga. E a banda larga acelerou o processo das coisas. Tudo muda o tempo todo." Ambruster encara a saída de Gates como o processo natural dessa nova era cibernética que está surgindo.

Como todo sábio guerreiro, Bill Gates sai de cena para abrir uma nova janela à própria Microsoft: "Os próximos anos serão marcados por grandes mudanças na forma como as pessoas interagem com os computadores. O mouse e o teclado serão substituídos por tecnologias mais naturais e intuitivas. Cada vez mais ganharão importância as interfaces relacionadas com visão, tato e fala." Em seu discurso de despedida na semana passada, em Las Vegas, Bill Gates falou sobre agregar o sentido de visão às máquinas. E afirmou que em cinco anos bilhões de pessoas estarão olhando suas fotos, reproduzindo a música que querem ouvir e organizando a vida através de interface multitátil. Bill Gates continua o velho visionário de sempre. O que mudou foi o mundo que ele ajudou a criar.

DOIS EM UM
Um especialista em vírus e outro em internet tomam o lugar de Bill Gates.

SUCESSORES Craig Mundie e Ray Ozzie trarão inovação aos produtos da empresa

Os dois executivos da foto desta página têm a dura missão de desplugar os fios que prendiam a Microsoft e dar a ela as asas da conectividade. Os americanos Craig Mundie, 58 anos, e Ray Ozzie (camisa azul), 53, são diferentes, ao mesmo tempo que se completam. As batalhas que Bill Gates perdeu serviram para que ele entendesse que sobreviver às fortes e rápidas ondas da internet só é possível equipando a prancha da Microsoft com um especialista em ameaças virtuais, como é o caso de Mundie, e um irrequieto desenvolvedor de software, como é Ozzie. Enquanto Mundie é centrado e minucioso, Ozzie é criativo e fanático pelo mundo sem fronteiras da internet. Mundie é mestre em teoria da informação e ciência da computação pela Universidade Georgia Tech. Começou na Microsoft em 1992, no setor de engenharia de equipamentos para aumentar o grau de confiança e adesão do consumidor. Atualmente está na empresa no cargo de vice-presidente sênior, preparando-se para assumir seu posto em julho: "O caminho são novos produtos com travas de segurança que possam ser ajustadas conforme o tipo de ameaça." A história de Ozzie com Gates pode ser resumida com a velha frase: "Se não pode com ele, junte-se a ele." Ele é um dos melhores programadores da sua geração. Mente criativa, sempre foi o principal concorrente da Microsoft. Na década de 80, Ozzie desenvolveu a primeira planilha eletrônica, chamada VisiCalc – idéia posteriormente copiada por Bill Gates para a criação do Excel. Tempos depois, Ozzie criou o Lotus Notes, um programa de correio eletrônico que fez mais sucesso que o Outlook da Microsoft. Está há oito anos como braço direito de Bill Gates, e assumirá a empresa como um motor criativo que trará de volta os tempos de glória da Microsoft. "Iremos reformular e adaptar os programas para que funcionem online, sendo constantemente modificados", diz Ozzie.