Na semana em que o Congresso finalmente aprovou o Marco Civil da Internet, o Palácio do Planalto não teve tempo de comemorar e se viu encurralado por um novo e delicado problema. Sem conseguir reagir oportunamente às denúncias que surgiram contra a Petrobras nas últimas semanas, o governo assistiu a oposição tomar as rédeas do caso. Em iniciativas coordenadas, foram protocolados na Câmara e no Senado requerimentos para a instauração de comissões parlamentares de inquérito. O que seria apenas mais uma manobra de efeito limitado tomou corpo e materializou-se na quinta-feira 27, quando os senadores anunciaram já ter 29 assinaturas, duas a mais que o necessário, para instaurar a CPI. Embora a presidente da Petrobras, Graça Foster, demonstre tranquilidade, estado de ânimo que se expressou na iniciativa de instaurar uma comissão interna para investigar o assunto, os desdobramentos de uma possível investigação preocupam o Planalto. Reza a cartilha política de Brasília que todos sabem como uma CPI começa, mas não como termina. Pior ainda se ela engrenar às vésperas de uma eleição e no momento em que pesquisas indicam desgaste do governo Dilma Rousseff, com queda acentuada de sua popularidade.

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REVÉS
Na semana em que a presidente da Petrobras, Graça Foster, prometeu cortar na
própria carne, a oposição (acima) protocolou requerimento com as assinaturas
necessárias para abrir uma CPI para investigar a estatal no Senado

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Pesquisa do Ibope/CNI, divulgada na mesma quinta-feira em que a oposição conseguiu reunir as assinaturas para a CPI, indica que o percentual da população que considera o governo ótimo ou bom caiu de 43% para 36% entre novembro e março. Ao mesmo tempo, quem considera a atual gestão petista ruim subiu de 20% para 27%. O resultado acendeu o alerta amarelo no Palácio do Planalto. Diante de tal cenário, a presidenta decidiu suspender a agenda de viagens e passou os últimos dias em reuniões com sua equipe. Mesmo sem ter tomado posse no Ministério de Relações Institucionais, o que deve ocorrer na terça-feira 1º, Ricardo Berzoini já participou das reuniões com Dilma e o colega Aloizio Mercadante (Casa Civil), na condição de ministro. Foram chamados ao Planalto os líderes do governo, do PT e da base aliada. Ao sair de lá, o presidente do Senado, Renan Calheiros, anunciou a instauração da CPI. “Em ano eleitoral, mais atrapalha do que facilita a vida do Brasil. Mas agora não há mais o que fazer”, lavou as mãos Renan.

No governo, houve o entendimento de que o Planalto já não teria meios de impedir a CPI, mesmo após a presidente da Petrobras ter anunciado a abertura de uma investigação interna sobre a compra da refinaria de Pasadena. “Não fica pedra sobre pedra”, disse Graça Foster, em entrevista ao jornal “O Globo”. Ela revelou que decidiu criar uma comissão de investigação ao descobrir gestões suspeitas do ex-diretor Paulo Roberto Costa no negócio do Texas. “Não sabia que existia um comitê de proprietários de Pasadena no qual o Paulo Roberto era representante da Petrobras”, afirmou. Pasadena foi comprada pela belga Astra Oil em 2005 por US$ 42,5 mil. No ano seguinte, a Petrobras pagou US$ 360 milhões por 50% da companhia. A estatal foi obrigada depois a comprar os 50% restantes, conforme cláusula contratual, pagando mais US$ 820,5 milhões.

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Ex-diretor de abastecimento da Petrobras, Costa foi preso pela Polícia Federal por envolvimento com doleiros. No comitê de proprietários da refinaria, o representante deveria ser o então presidente da Petrobras América (subsidiária da estatal nos EUA), Renato Bertani, que alega ter cedido a vaga a pedido da sede da empresa no Rio. Ocorre que Bertani, após viabilizar o negócio de Pasadena, com a cláusula que previa a compra integral da refinaria em caso de litígio (put option), deixou a Petrobras e virou presidente da Thompson & Knight Global Energy, empresa depois contratada pela Petrobras por US$ 7,9 milhões justamente para atuar no litígio com a Astra Oil. Hoje, Bertani é presidente do Conselho Mundial de Petróleo e tem sua própria petroleira, a Barra Energia.

Para o governo, o único caminho agora será assumir o controle da investigação. Uma das ideias consiste em criar uma comissão mista, incluindo a Câmara, na qual o Planalto teria mais margem de manobra. Aliados da presidenta também ameaçam contra-atacar com apurações sobre a corrupção no Metrô de São Paulo, que atinge os governos tucanos, e eventuais problemas na Cemig e no Porto de Suape, pretendendo, assim, atingir o mineiro Aécio Neves e o pernambucano Eduardo Campos, pré-candidatos à Presidência. Por enquanto, são conhecidas apenas irregularidades nos contratos paulistas. “Nossa proposta agora é passar o Brasil a limpo”, argumenta o líder do PT na Câmara, Vicentinho (SP). Como ocorreu com a CPI das ONGs em 2006, o resultado esperado para esse tipo de iniciativa é um acordão geral e o engavetamento das investigações. Em todo caso, na tentativa de se precaver, Dilma orientou o PT a garantir também a presidência e a relatoria da CPI, em dobradinha com o PMDB, aliado mais fácil de controlar no Senado do que na Câmara.

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POLÊMICA
A controversa compra de refinaria em Pasadena, no Texas (EUA), deflagrou a crise

O governo teme que a CPI dê visibilidade ao presidenciável tucano, Aécio Neves, que tem pregado o resgate da prerrogativa do Legislativo de defender o interesse público. “Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República e também a Advogacia-Geral da União estão investigando o caso. Faltava a participação do poder Legislativo. Nós queremos investigar, queremos ouvir”, diz. Além de Pasadena, a CPI pretende investigar denúncias de suborno na Holanda, custos da refinaria de Abreu e Lima e lançamento de plataformas de exploração sem todas as condições de segurança. O requerimento para a CPI contou com importante apoio do PSB de Eduardo Campos, também presidenciável. Com a decisão, a legenda assume de vez o papel de oposição.

Foto: Richard Carson/PETROBRAS IMAGE BANK