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Cada vez mais multipolar, o mundo favorece o surgimento de novas lideranças. E o Brasil soube aproveitar a oportunidade. Antes associado apenas à beleza das praias, aos passes do futebol, à exuberância do Carnaval e a cenas de violência explícita, o País ganhou outra dimensão no cenário mundial. Está agora vinculado a símbolos como o pré-sal, a Embraer, a Gerdau, a Olimpíada e a Vale. Na geopolítica internacional, consolidou sua liderança regional, tornou-se porta-voz dos emergentes, saiu mais forte da crise econômica mundial e passou a influenciar nas tomadas globais de decisão. Em todos os continentes, o brasileiro mais citado deixou de ser um craque de futebol. Em um fenômeno sem precedentes na história brasileira, a figura do presidente da República é aquela que mais simboliza a Nação. A acolhida recebida por Luiz Inácio Lula da Silva nos mais diversos fóruns internacionais reflete a visibilidade e a respeitabilidade conquistadas pelo Brasil. Não por acaso, o presidente acaba de somar à sua coletânea de prêmios no Exterior os títulos de personalidade do ano de 2009, concedidos pelos jornais “El País”, da Espanha, e “Le Monde”, da França. “O Brasil ocupará em breve um lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas, está a ponto de converter-se em uma potência energética e em 2014 abrigará a Copa do Mundo”, afirma o primeiro- ministro da Espanha, José Luis Zapatero, em artigo que escreveu sobre Lula para o “El País”. Há desafios fundamentais para que o País mantenha sua trajetória ascendente em 2010.

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Entre elas estão a consolidação do Mercosul como bloco regional e a conclusão da rodada Doha, pois o aumento da competitividade dos agroexportadores brasileiros também depende da diminuição dos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos. O papel desempenhado por Lula no mundo será essencial para esse avanço, da mesma forma que sua liderança impulsionou a mudança de polo do poder do G8 para o G20, que inclui os países emergentes. “Junto com seu protagonismo e liderança, o presidente Lula projeta o poder do Brasil em âmbito mais abrangente”, afirma o cientista político Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Mas a projeção de poder do Estado brasileiro não está solta no ar. Está lastreada em uma base material.” Parte dessa base, segundo o cientista político, se deve à multinacionalização de empresas brasileiras e à abertura de novos mercados, em especial na Ásia. O bom momento da economia responde pela outra parte. Um dos fatos mais relevantes neste contexto é a conquista pelo Brasil de poder de veto nas decisões do Fundo Monetário Internacional (FMI) depois de aportar US$ 14 bilhões para o caixa da instituição.

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De olho nesse bom momento, o mundo quer fazer negócio com o Brasil. “Tem sido crescente o número de representantes de governos e empresas que nos procuram para anunciar investimentos ou simplesmente tentar entender a legislação brasileira e as oportunidades de negócios no País”, diz Miguel Jorge, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Em 2009, só a França trouxe ao Brasil representantes de 540 empresas. À frente da Ubifrance, a agência responsável pela internacionalização das empresas francesas, Christophe Lecourtier, 48 anos, cita o PAC, o programa brasileiro de aceleração do crescimento, com a mesma desenvoltura com que fala do La Défense, o mais importante distrito financeiro de seu país. O reposicionamento do Brasil no mundo implica também cenas inusitadas, como a ocorrida em visita feita em setembro pelo presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, à sede da Ubifrance, em Paris. Cerca de 150 executivos franceses “literalmente bebiam as palavras” de Gabrielli, pelo relato de Lecourtier. “Só vi isso acontecer quando convidamos presidentes dos grandes fundos de investimento árabes”, compara Lecourtier. “O Brasil virou um gigante.” As observações do francês estão em sintonia com as do americano Riordan Roet, diretor do Programa de Estudos Latino-Americanos da Johns Hopkins University. “O Brasil, como membro do grupo dos BRICs, jogará um papel de importância crescente”, prevê Roet, referindo-se ao acrônimo criado para designar os quatro principais países emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China).

LASTRO
Para analistas, a projeção de poder do Brasil não está solta no ar. Tem base material

 

Com o poder, também vem maior responsabilidade. E, talvez, o grande desafio dos atuais formuladores da política externa brasileira seja dimensionar com precisão, e certa dose de pragmatismo, o papel do País no tabuleiro geopolítico. Para muitos países, a importância do Brasil estaria relacionada à escassez de recursos em outras regiões do planeta. “A China precisa de matérias-primas e commodities brasileiras”, diz Roet. Da mesma forma, em sabatina no Senado americano, Thomas Shannon, nomeado por Barack Obama embaixador no Brasil, destacou a descoberta das reservas do pré-sal como acontecimento que pode ajudar a equilibrar o mercado internacional. “Se as estimativas preliminares estiverem corretas, o Brasil se  tornará uma importante fonte  de energia fora do Oriente Médio e das zonas conflituosas.”

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Essa mudança de paradigma pressupõe, no plano comercial, a exportação de produtos de maior valor agregado. Já na seara política, é preciso baixar o perfil e evitar a “frenética e incessante busca dos holofotes”, diz Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e ex-ministro da Fazenda. Ricupero alerta para uma certa irritação de outras lideranças com o excessivo protagonismo brasileiro. Na lista de “excessos” estaria, por exemplo, a tentativa de mediação entre judeus e palestinos no Oriente Médio. De fato, há um problema de timing e de consistência na ação diplomática, tanto do Itamaraty, sob comando de Celso Amorim, como do Palácio do Planalto, na figura do assessor internacional Marco Aurélio Garcia. “Lula fala de seu comprometimento com a democracia, mas rapidamente parabenizou Ahmadinejad por sua reeleição, enquanto a maioria das pessoas viu como fraudulenta”, avalia Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, um dos mais respeitados centros de estudos sobre a região, citando o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Para Hakim, o Brasil parece ter adotado o princípio da equidistância em suas relações globais, o que significa manter o mesmo tipo de relação com países diferentes. O sociólogo Antônio Jorge Ramalho, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, vai além. “O Brasil está chamando para si a capacidade de se pronunciar sobre processos que conhece pouco”, diz. “Quando a opinião brasileira era negligenciada, isso não era um problema. Mas agora qualquer deslize pode ser entendido como ingerência e provocar conflitos.” A tênue linha que separa uma atuação diplomática de uma intervenção ficou evidente no episódio da deposição do presidente de Honduras, Manuel Zelaya, que se encontra abrigado na embaixada brasileira em Tegucigalpa desde 21 de setembro. O Brasil, contudo, é cada vez mais requisitado como mediador. Na visita que fez a Brasília em meados de dezembro, o subsecretário de Estado americano para o Hemisfério Ocidental, Arturo Valenzuela, chegou a cobrar do governo brasileiro mediação na crise entre Colômbia e Venezuela. “Estamos preocupados com o crescente clima de enfrentamento na fronteira entre os dois países”, justificou Valenzuela. O apelo à atuação brasileira é coerente com o papel agora desempenhado pelo País. E o melhor sinal dessa nova cara do País é a grande quantidade de delegações estrangeiras que acorreu a Brasília no decorrer de 2009, embora a capital não tenha sediado nenhum encontro multilateral. No total, foram 38 presidentes, cinco primeiros-ministros, dois vice-presidentes, cinco chanceleres e um príncipe.