ROBERTO JAYME/PHOTONEWS

Ao longo da semana, muita gente em Brasília esperou horas para poder ser imunizada. Em alguns momentos, houve falta de vacina

Os postos de saúde de Brasília e de Goiás viveram na última semana uma situação como há muito tempo não se via. Assustados com a ameaça da febre amarela, os habitantes dessas regiões correram aos postos para ser vacinados contra o vírus que provoca a doença. O resultado foram filas imensas, gente chegando de madrugada e um certo clima de pânico no ar. A situação foi criada a partir da divulgação das notícias da confirmação da morte de Graco Carvalho Abubakir, de Brasília, por causa da doença, e de outros três óbitos com suspeita de terem sido provocados pela enfermidade registrados em Goiás e no Paraná desde dezembro. Além disso, até a quinta-feira 10, outros nove casos suspeitos estavam em investigação – um em São Paulo, dois no Distrito Federal e seis em Goiás.

Além do alarme entre a população, a situação expôs alguns aspectos bastante preocupantes. O primeiro foi a repetição do triste hábito comum no Brasil de empurrar as responsabilidades por algo negativo. O que se viu na história do administrador de empresas Graco Abubakir, que morreu na terça-feira 8, na capital federal, foi exatamente isso. Ao longo da última semana, autoridades de Brasília e de Goiás quiseram colocar uma nas contas da outra o registro do que aconteceu com o rapaz. “Temos certeza de que ele contraiu a febre amarela em Pirenópolis”, afirmou Milton Menezes, subsecretário de Atenção à Saúde da Secretaria de Saúde de Brasília. De Pirenópolis, cidade turística goiana a 150 quilômetros da capital federal e local onde Graco esteve no final do ano, o secretário de Saúde do município, Aldo da Trindade Siqueira, rebatia. “Não dá para dizer que ele se infectou aqui”, argumentou.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

De fato, essa é uma resposta difícil. Graco saiu de Brasília no dia 29 de dezembro com a namorada e mais 14 amigos para passar o Réveillon em Pirenópolis. No mesmo dia, reclamou de cansaço e se recusou a participar de um passeio a uma cachoeira próxima do hotel onde estava hospedado. A recusa chamou a atenção da turma. Afinal, o administrador era conhecido por uma disposição infinita. “Se ele fosse chamado para chutar gelo no Alasca, ele iria”, contou à ISTOÉ Fernanda Carvalho Abubakir, uma das irmãs de Graco.

FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR

“O risco de haver casos de febre amarela urbana está descartado”
José Gomes Temporão, ministro da Saúde

No dia 31, outro fato preocupou os amigos. Quando passeava em uma cachoeira nos arredores do município, o administrador queixou-se de mal-estar. Dois dias depois, já de volta ao DistriDistrito Federal, ele começou a apresentar fortes dores e febre alta. Graco foi internado no dia 4 de janeiro e morreu quatro dias depois.

De acordo com a literatura médica, os sintomas da doença aparecem geralmente de cinco a dez dias após a infecção. Por esse parâmetro e tomando-se em conta as informações sobre as reclamações de falta de disposição de Graco já no dia de chegada a Pirenópolis, pode-se levantar a possibilidade de que a contaminação tenha ocorrido ainda em Brasília. Para reforçar essa hipótese, há o fato de a casa de Graco ser no setor de Mansões do Lago Norte, local menos urbanizado e por onde circulam dezenas de filhotes de macacos. Na última semana de dezembro, pelo menos dois primatas apareceram mortos no Parque Nacional de Brasília, próximo ao setor onde morava Graco, com suspeita da doença. Uma não foi confirmada, mas a outra permanecia sob investigação. E, segundo a Secretaria de Saúde de Pirenópolis, há mais de 50 anos não é registrado um caso na região.

Na verdade, embora essa discussão possa parecer secundária, ela é fundamental. O esclarecimento do local da infecção das vítimas é muito importante para entender o caminho de propagação que a doença está tomando no País. O paciente que está sendo acompanhado na capital paulista com suspeita de ter se infectado, por exemplo, esteve nos municípios de Bonito e em Dourados, as duas cidades a cerca de 250 quilômetros de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul. Trata-se de uma região endêmica – onde o vírus está presente continuamente – da forma silvestre da doença. Nesse gênero, o vírus é transmitido pela picada do mosquito Haemagogus ou Sabethes a um indivíduo não imunizado que vive ou visita áreas rurais e florestas onde a enfermidade existe.

Já o bancário aposentado Almir Rodrigues da Cunha, que morreu na quarta-feira 9 em Maringá, no Paraná, com suspeita da enfermidade, também pode ter se infectado em um local endêmico. Ele esteve em Caldas Novas, a 162 quilômetros de Goiânia, onde passou a última semana de dezembro. A diferença aqui é que ele estava em uma localidade não tão erma. Isso é inquietante. Há alguns anos, a maior parte dos casos vinha sendo registrada em locais mais remotos. O médico Drauzio Varella, por exemplo, contraiu a doença em 2004 quando fazia uma expedição científica nas selvas da Amazônia. A ocorrência da enfermidade em pontos tão próximos de centros como Goiânia sinaliza que, agora, a doença pode estar perigosamente à porta das grandes cidades. Isso se não ficar confirmado que de fato ela já entrou em Brasília.

A chegada do vírus aos centros urbanos seria um desastre. Primeiro porque há 66 anos o País não registra um caso da chamada febre amarela urbana. Neste tipo, a infecção ocorre nas cidades e o inseto transmissor do vírus é o Aedes aegypti, o mesmo responsável pela transmissão do vírus da dengue. Retroceder seis décadas no controle da doença seria uma vergonha. Depois, o fato de o vírus ser transmitido pelo Aedes é um grande problema diante das circunstâncias atuais. Hoje o País vive uma epidemia de dengue, o que significa alto índice de infestação pelo mosquito. E, para complicar, há a perspectiva de que este verão seja marcado pelo crescimento da proliferação do Aedes. “Como nossas cidades estão infestadas pelo mosquito, há um ambiente propício para o crescimento de casos”, afirma Désio Natal, professor do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. O que se teme, portanto, é que esse “exército” de insetos passe também a transmitir o vírus da febre amarela em grandes proporções.

E, em comparação com a dengue, a febre amarela é muito mais devastadora. O vírus provoca inflamação nos rins, coração, pulmão e no sistema nervoso central. Além disso, pode causar hemorragia abdominal e pulmonar. “Nem todos que se contaminam apresentam esse quadro. Mas naqueles nos quais a doença evolui quase a maioria morre”, afirma o infectologista Paulo Olzon, professor da Universidade Federal de São Paulo. Os índices de mortalidade ilustram bem essa agressividade. Na febre amarela, ele gira em torno de 30%. Na dengue, não passa de 0,5%.

ORKUT/ ROBERTO JAYME/PHOTONEWS

Graco Abubakir (no destaque), de Brasília, morreu depois de contrair a doença. Ele foi enterrado na quarta-feira 9


Na avaliação do governo federal, a possibilidade da volta da enfermidade às cidades não existe. “Este risco está descartado”, afirmou o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. O que está se vendo hoje é o surgimento de casos isolados, restritos aos ambientes rurais, segundo o ministro. De qualquer forma, as suspeitas de casos da doença levaram o governo a montar uma operação de guerra. A título de emergência, a Fundação Oswaldo Cruz, fabricante das vacinas contra a enfermidade, liberou dois milhões de doses para serem enviadas às áreas de risco. “A vacinação pode funcionar como um cinturão de segurança”, afirma o médico Pedro Tauil, do Departamento de Doenças Tropicais da Universidade de Brasília. Também foram mandados alertas ao Ministério do Turismo e às embaixadas sobre a necessidade de vacinação dos viajantes que procuram as regiões endêmicas. Tudo para afastar o perigo das cidades.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias