No final de mais um dia de trabalho, depois de ter recebido dez governadores eleitos no Palácio do Planalto desde a semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desabafou na quarta-feira 8: “Eles estão mordendo pesado.” Lula referia-se à sanha de pedidos feitos não apenas pelo grupo, mas também por chefes de partidos políticos, nos despachos informais travados nas poltronas de couro vermelho do seu gabinete. É ali que está em curso a velha e nefasta política do “toma-lá-dá-cá”, na qual quem controla votos no Congresso pede verbas e cargos e favores em troca de juras de apoio. “Quando Lula desabafou sobre as mordidas, deu vontade de dizer a ele: bem-vindo ao mundo real”, comentou um dos seus interlocutores.

Acossado pelos futuros executivos estaduais e os novos senhores do Congresso, Lula está entre leões famintos. O paradoxal é que ele escolheu essa posição.
O presidente colocou de lado o ministro da Articulação Política, Tarso Genro, dispensou outros anteparos e resolveu ouvir diretamente os seus, digamos, aliados. Como resultado, já acenou aos governadores até mesmo com perigosas promessas de flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal. A respeito dos pleitos por ministérios inteiros, um de seus auxiliares ironizou que, para aplacar o apetite dos partidos, o presidente terá de dobrar, de 30 para 60, o número de pastas. “Temos de crescer de três para seis ministérios, e isso inclui o dos Transportes”, avisa o líder do PMDB na Câmara, Wilson Santiago, da Paraíba. “Todo mundo vai gritar, nós iremos gritar”, posicionou-se o líder do PP, Mário Negromonte. A Lula,
em audiência, ele insinuou que, com 41 deputados, o partido merece pelo menos três ministérios. Hoje, controla um, o das Cidades, com R$ 1,7 bilhão de orçamento este ano. A idéia é abocanhar também o da Integração Nacional (R$ 1,4 bilhão) e, sempre ele, o dos Transportes (R$ 8,3 bilhões). Na romaria de líderes partidários, José Múcio, do PTB, foi espertinho. O partido detém o Ministério do Turismo
(R$ 1,3 bilhão), com Walfrido dos Mares Guia. “O presidente Lula o vê não como
um ministro do PTB, e sim como um grande ministro”, atalhou Múcio, que
promete voltar ao Planalto na próxima semana, deputados à tiracolo, para
pedir compensações.

 

Falando aos quatro ventos em coalizão, Lula atiça cada vez mais a fúria da matilha. O senador José Sarney, por exemplo, não abre mão de tornar ministra sua filha Roseana, derrotada na disputa pelo governo do Maranhão. Ele que já controla o Ministério das Minas e Energia (R$ 4,4 bilhões) quer dedicar a Roseana a Pasta das Cidades (R$ 1,7 bilhão). O problema é que os petistas querem ver a ex-prefeita Marta Suplicy nessa cadeira. A luta interna no partido por cargos está, aliás, bastante acesa. Até mesmo o espinhoso Ministério do Desenvolvimento Agrário (R$ 2,9 bilhões) está sendo batalhado pelo ex-ministro Miguel Rosseto e pelo deputado baiano Walter Pinheiro.

Entre os governadores eleitos, a lista de pedidos já é longa e inclui: a implantação de uma zona franca no Amapá, pleito do governador eleito Valdez Góes, do PDT; a conclusão do pólo petroquímico do Rio Grande do Norte, reivindicação de Wilma Faria (PSB), que também solicita a finalização das obras do Aeroporto de Natal; a volta da Sudene, assinalada por nordestinos como Eduardo Campos (PSB), de Pernambuco, Jaques Wagner (PT), da Bahia, e Marcelo Déda (PT), de Sergipe. Campos, aliás, foi mais longe: quer o rápido início das obras da refinaria de petróleo de Pernambuco e a renegociação de uma dívida de R$ 240 milhões do Estado com a Caixa Econômica Federal. Pelo Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS) espera o cumprimento de um acordo feito durante a campanha, pelo qual se dará a liberação de R$ 128 milhões em recursos retidos como caução de dívidas do Estado. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), espera por obras de saneamento e de infra-estrutura portuária que somam R$ 3 bilhões. De Minas, Aécio Neves (PSDB) quer recursos da Cide (o imposto sobre os combustíveis) e verbas para a segurança pública. José Serra (PSDB), por São Paulo, fala em receber dinheiro do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). A governadora eleita Yeda Crusius (PSDB) ainda não foi ao Planalto, mas já avisou que apresentará proposta de flexibilização da LRF, sem a qual, alega, não terá meios de acertar as finanças estaduais. O problema é que uma mexida nesse mecanismo de controle de gastos poderá comprometer todo o ajuste de caixa do País. “Quando se perceber que não há dinheiro suficiente para tudo, os apoios irão minguar”, diz o líder do PSB, Alexandre Cardoso. Faz sentido.