As câmeras de dez equipes de televisão filmavam o ex-ministro da Saúde Barjas Negri na sala da CPI dos Sanguessugas, na terça-feira 7. A barba está mais branca. O rosto, pálido. Ele não conseguiu esconder o nervosismo e foi desmascarado com documentos comprometedores. A senadora Ideli Salvatti (PT-SC) perguntou ao ex-ministro se ele tinha assinado convênios nos quais Darci Vedoin aparecia como procurador das prefeituras beneficiadas. Se isso tivesse ocorrido, disse Barjas, seria “uma coisa surpreendente”. Pois a “coisa surpreendente” aconteceu mesmo, como provam os documentos que foram apresentados pela senadora. São procurações fornecidas por prefeitos para que os Vedoin pudessem operar no Ministério da Saúde em nome das prefeituras. E, o mais grave, há inúmeros contratos assinados por Vedoin e por Barjas Negri autorizando a liberação de verbas para a compra das ambulâncias. Vedoin é o dono da Planam, a empresa que chefiava os sanguessugas e vendia as ambulâncias superfaturadas. Na verdade, o que a CPI vem descobrindo e comprovando com depoimentos e documentos ISTOÉ tem divulgado desde setembro através de uma série de reportagens, que no calor da disputa eleitoral acabaram sendo contestadas antes de qualquer investigação mais profunda.

O pacote de contratos com a dobradinha de assinaturas Vedoin/Barjas Negri identificado até agora foi fechado no dia 20 de dezembro de 2002, ao apagar das luzes do governo FHC. Todas as procurações dos prefeitos em favor de Vedoin
foram assinadas naquele mesmo dia. E todas as assinaturas dos prefeitos tiveram firma reconhecida também no dia 20 de dezembro no mesmo cartório, em Cuiabá, no bairro Coxipó, onde funciona a sede da Planam. Ainda em 20 de dezembro, os contratos foram assinados em série, de forma instantânea, no Ministério da Saúde, em Brasília. A assinatura de Vedoin aparece ao lado de duas letras “P”, sinalizando “por procuração”. O texto das procurações é padronizado. Os
prefeitos autorizam Darci Vedoin a “representar o outorgante junto ao Ministério
da Saúde, para celebração de convênio”. Barjas Negri negou na CPI conhecer Vedoin. Resta saber, então, em que momentos e de que forma os dois assinaram
os mesmos papéis.

Não foi, porém, apenas em relação aos contratos que Barjas Negri acabou traído pela própria língua. Primeiro ele disse que não tinha contato com o empresário Abel Pereira, apontado pelos Vedoin como cobrador de propinas para a liberação de recursos da Saúde. Minutos depois, Barjas admitiu ter amizade com Abel: “Claro que eu o conhecia!” A 100 metros dali, o empresário Luiz Antônio Vedoin confirmava no Conselho de Ética da Câmara os detalhes dos pagamentos de propina para Abel liberar dinheiro durante a gestão de Barjas. O ex-ministro negou ter recebido dinheiro de Abel na disputa eleitoral para a Prefeitura de Piracicaba. Depois, Barjas admitiu: “Ele ajudou na campanha!”

 

Entre os tropeços e contradições, Barjas ouviu atento o deputado Eduardo Valverde, do PT de Rondônia, ler os nomes dos municípios para os quais Abel liberou
dinheiro do Ministério da Saúde. “Vou pedir acareação entre Abel, Barjas e os Vedoin, colocar todo mundo frente a frente”, anunciou Valverde. “É para saber quem está mentindo.” Ao analisar os dados em poder da CPI e o conteúdo do depoimento de Barjas Negri, muitos parlamentares estão convictos de que Abel e Barjas são realmente parceiros em negócios escusos, como acusam os Vedoin. “As ligações do Barjas com o Abel talvez sejam mais promíscuas do que se pensava”, diz a sub-relatora Vanessa Grazziottin (PCdoB-AM). “A tentativa deles de esconder essa relação é muito grande.” Dia 23 é a vez de Abel Pereira dar explicações à CPI em Brasília.

ISTOÉ procurou 41 prefeitos abordados pela Planam durante a gestão Barjas e alguns confirmaram o poder de infiltração da máfia no Ministério da Saúde. Já era sabido que a Planam conseguia liberar dinheiro através de Abel Pereira em Brasília. Mas o que se sabe agora é que os Vedoin, na gestão Barjas Negri, também tinham o poder de retirar das mãos dos prefeitos o dinheiro que o Ministério da Saúde depositava nas contas das prefeituras, quando os municípios se recusavam a fazer negócios com eles. O prefeito do município goiano de Faina, Paulo Roberto Vieira, eleito por uma coligação do PFL com o PSDB, diz que não fechou negócio com a Planam, mas seu município foi citado por Luiz Antônio Vedoin como uma das 41 cidades onde Abel Pereira intermediava negócios para a máfia. “O Vedoin falou assim para meu secretário de Saúde: ‘Se vocês não comprarem de nós, tenho o poder de retirar o dinheiro que foi depositado’”, conta Paulo Roberto. Os Vedoin enviaram minutas de licitações para Faina, com os nomes das empresas que deveriam vencer as concorrências. A máfia também produziu “pacotes” de convênios. O ex-prefeito do município mato-grossense de Barra do Bugres, Arnaldo Luiz Pereira, eleito pelo PSDB em 1996, diz que, na época, os Vedoin prestavam assessoria às prefeituras do Estado, como emissão de certidões. Arnaldo foi eleito novamente em 2000, pelo PMDB. Em 2002, foi procurado por Darci Vedoin. “O Vedoin disse: ‘Posso conseguir uma unidade móvel para o município, vocês têm interesse?’”, contou Arnaldo. “Ele disse: ‘Eu consigo liberar o dinheiro em Brasília’.” Arnaldo assinou uma procuração para que Vedoin representasse os negócios do município dentro do Ministério da Saúde. Como resultado da procuração passada, no convênio, a assinatura que aparece em cima do nome de Arnaldo, ao lado da rubrica de Barjas Negri, não é a do prefeito. Quem assinou o convênio foi o próprio Darci Vedoin.

Entre os próprios parlamentares da CPI, no entanto, há uma descrença quanto aos rumos da investigação. Eles estão preocupados com um eventual acordo entre governo e oposição para salvar cabeças. A CPI encerra seus trabalhos em dezembro. Um dos sub-relatores, o deputado Júlio Redecker (PSDB-RS), lamenta o descaso da CPI com a investigação. Ele diz que foram solicitadas 40 quebras de sigilo, em 5 de setembro, e até hoje nada foi aprovado. “Não há interesse dos membros da CPI de fazer investigação”, critica Redecker. “Estão cozinhando dentro da CPI um final trágico.” O depoimento do ex-ministro Humberto Costa, do PT, é prova disso. Foi poupado até pelo vice-líder do PSDB, o paulista Antônio Carlos Pannunzio, que abriu mão de fazer perguntas. Costa confirmou ter recebido Luiz Antônio Vedoin no Ministério da Saúde, disse que no encontro o empresário pediu a liberação de R$ 8 milhões de pagamento de ambulâncias. Em resposta ao empresário, Costa diz ter afirmado que os valores seriam pagos se os convênios cumprissem os requisitos legais. O ex-ministro Saraiva Felipe falou para um plenário totalmente vazio. Mas não deixou de alertar que “recebeu inúmeros pedidos estranhos, pouco republicanos”. Para Redecker, o esfriamento da CPI está diretamente relacionado à eleição. Antes do pleito, as investigações poderiam arranhar a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva e de muitos petistas. Passada a eleição, acredita o deputado, o desinteresse está associado à impossibilidade de atingir adversários nas urnas. “Estou muito indignado.”