Adotar um filho é sempre um ato de coragem e, principalmente, de amor e muita paciência. Foram três anos de espera até que Altair José Guedes de Araújo, 42 anos, técnico em informática, conseguisse ver sua princesa. Ele, que sempre teve vontade de adotar mesmo depois de dois adolescentes do primeiro casamento, não desistiu facilmente. Sua segunda mulher, Cláudia Correia Barcelos, 38 anos, assistente financeira, tinha também esse desejo. Os dois, sem saber se poderiam ter filhos biológicos, foram em busca do sonho e entraram com a papelada para a adoção em um fórum. Altair e Cláudia, a princípio, agiram como muitos casais. Na ficha de habilitação, optaram por uma criança de zero a três anos. Mas, no meio do processo, resolveram ampliar a faixa etária para cinco anos e assim a adoção saiu em apenas três meses. “Eu me sentia como uma folha ao vento. Esperando. Mas, quando o telefone tocou e disseram que era do fórum, meu coração disparou”, conta Cláudia. Era julho de 2004 quando o casal conheceu Solange, com quatro anos e meio. “Valeu esperar cada minuto, cada segundo. Sou a mãe mais feliz do mundo”, diz ela. “Quando a gente adota uma criança, recebe mais amor do que dá”, afirma Altair. Eles venceram o preconceito de adotar uma criança mais velha e não tiveram nenhum problema de adaptação com Solange, um dos medos de quem adota.

Pelo Brasil afora são inúmeras as filas de pretendentes a mães e pais ansiosos pela chegada de uma criança. Muitas dessas famílias não sabem ao certo como proceder para chegar à definitiva adoção. Existe um percurso a cumprir, às vezes rápido, às vezes moroso. Do outro lado, 19.373 crianças vivem em abrigos no País. E cerca de 88% delas, de acordo com os últimos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), não estão aptas à adoção porque não foram legalmente destituídas de suas famílias. A prioridade judicial é reintegrá-las a seus lares de origem, colocando a adoção como última alternativa. Como são muitas as crianças brasileiras em situação de desamparo, hoje o País lidera a discussão internacional de como sanar esse problema. “As mudanças culturais trouxeram um novo conceito de família, que rompe com a visão assistencialista baseada na caridade”, afirma a subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen de Oliveira. No meio desse caminho, governos e organizações não-governamentais realizam um trabalho de formiguinha, árduo e contínuo, para que aconteça esse sonhado encontro entre a família e a criança.

O juiz Reinaldo Cintra, da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, há anos realiza processos de adoção. Ele afirma que casos como o de Altair e Cláudia, que assumiram uma filha mais velha, estão sendo mais comuns no Brasil. A maior parte das crianças disponíveis para adoção é negra e com mais de um ano de idade. “A realidade fez com que os pretendentes desistissem de escolher exclusivamente brancos recém-nascidos”, diz o juiz. Desde 1990, quando passou a vigorar o Estatuto da Criança e do Adolescente, que juntamente com o Código Civil rege a adoção no Brasil, são os direitos da criança que prevalecem. Isso significa que, nos dias atuais, é ilegal ir a um abrigo escolher o filho. “Quem se apropria de uma criança fora dos limites da lei pode pegar pena de reclusão de até seis anos”, explica Cintra. Ainda hoje existe no País a chamada “adoção à brasileira”, quando alguém traz uma criança para casa sem informar a Justiça. As pessoas que procedem dessa forma para furar a fila, além da pena, correm o sério risco de perder a criança, o que cria um sentimento de total de insegurança para pais e filhos. E tudo o que uma criança precisa é segurança no novo lar. “Adotar uma pessoa significa oferecer um porto seguro. É essa a função da mãe”, comenta a socióloga Lívia de Tomasi. Ela adotou o menino Daniel quando ele tinha três anos. Era a segunda vez que Daniel deixava um abrigo. Mas, com Lívia, ele ganhou definitivamente uma família, com direito ao irmãozinho Tomás.

Caminho da legalidade

Para evitar os problemas que podem surgir quando se leva uma criança para casa sem amparo legal, a atitude correta é ir ao fórum e preencher uma ficha de habilitação. Os futuros pais precisam dar informações da própria vida e indicações da criança pretendida, como etnia e idade. Estão aptos casais ou pessoas maiores de 18 anos que sejam pelo menos 16 anos mais velhas do que o adotado. O processo é gratuito e não requer advogado. Uma vez feito o cadastro, inicia-se a procura da criança. A morosidade do processo depende de vários fatores, entre eles as exigências dos candidatos. Quanto mais restrições forem colocadas na ficha, mais tempo se leva para encontrar o filho.

A adoção, depois de concedida, é irrevogável. Por isso os futuros pais devem ter consciência desse passo. Se for constatado que há negligência, violência ou abuso sexual, eles perdem o “poder familiar” e a criança volta ao abrigo para ser novamente adotada. Essas idas e vindas podem causar traumas. Durante o processo de adoção, os pretendentes têm acesso ao histórico familiar da criança. Com o dossiê em mãos, os especialistas aconselham aos pais que, se eles forem questionados, contem a verdade da forma mais natural possível. A pequena Milena, três anos, foi adotada por Vanda Ribeiro e Mário Sérgio Salerno, de Brasília, quando tinha nove meses. “Na escola, Milena teve de contar sobre sua família e levou o álbum com uma foto do primeiro dia de adoção. É a história dela”, diz Vanda. “Ela nasceu no nosso coração e sabe disso. A adoção reflete como você encara a vida”, afirma o pai.

Sempre a verdade

Uma das perguntas mais freqüentes é quando revelar ao filho que ele é adotado. A resposta é: sempre que ele perguntar. Claro que a criança terá seu próprio tempo de compreender que não veio do ventre daquela mãe. Para lidar com esta e outras questões delicadas existem no Brasil cerca de 100 organizações de apoio à família, que contam com psicólogos e assistentes sociais. Muitos procuram esses grupos mesmo antes da adoção, para se certificarem de que estão tomando a decisão certa. “É sempre bom que as famílias reflitam sobre a expectativa que têm em relação à criança que pretendem adotar”, aconselha Cynthia Ladvcat, consultora e psicóloga do grupo de apoio à adoção Associação Brasileira Terra dos Homens, no Rio de Janeiro. Depois que a criança é retirada do abrigo, o juiz determina um tempo de adaptação. Nesse período, pais e filhos adotivos são observados para ver se houve harmonia. Dificilmente há devolução da criança, mas isso pode acontecer.

Os mitos

Há uma série de mitos em relação à adoção. Um deles é o de que crianças mais velhas têm tendência a ser problemáticas. “Algumas ficam com medo de ser novamente abandonadas. Outras sofrem um processo de regressão e voltam a engatinhar ou a fazer xixi na calça. Mas, se os pais forem bem informados, terão capacidade de lidar com essas questões”, afirma Daniela Alves de Souza, vice-diretora do Centro de Capacitação e Incentivo à Formação, o Cecif (www.cecif.org.br). Um outro mito diz que algumas crianças têm dificuldades de aprendizado por conta da genética. “Isso não existe. Há doenças ligadas ao DNA, mas aprendizado e compreensão, nunca”, alerta a psicóloga Cynthia. Ela afirma que a família que deseja adotar precisa ter flexibilidade e paciência. “Vi casos em que os pais pensaram em devolver a criança, mas depois de uma ajuda terapêutica abriram o coração”, diz. Ela destaca que freqüentemente os pais adotivos relacionam todo o tipo de problema das crianças à vida delas no abrigo, mas se esquecem de olhar para as dificuldades delas no dia-a-dia.

Quem não deseja adotar pode se relacionar de outras formas com os meninos e meninas. Uma das maiores polêmicas no Brasil é o tempo de permanência da criança no abrigo. Dos quase 20 mil abrigados no País, cerca de 53% moram por mais de dois anos nas instituições e a situação de 43% deles nem sequer chegou à Justiça. Ou seja, na prática, eles não existem para a adoção. Por isso, o Brasil hoje lidera um grupo de 30 países que elabora um documento sobre as crianças privadas de cuidados dos pais, a ser apresentado em 2007 na Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, deverá ser aprovado, em 13 de dezembro, o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, pelos conselhos nacionais dos Direitos da Criança e Adolescência e de Assistência Social. O projeto, voltado para a prevenção do abandono de crianças e adolescentes, possui três eixos. O primeiro é a formulação de políticas para dar melhores condições à família, evitando o encaminhamento para as instituições. O segundo trata do reordenamento dos abrigos, que deverão ser de pequeno porte, semelhantes em estrutura ao que é encontrado nas famílias. O terceiro é o aumento do estímulo à adoção.

Uma das temáticas desse novo plano é regulamentar as famílias que acolhem crianças de modo informal, como ocorre nos Estados Unidos e na Europa. Está também em discussão o apadrinhamento afetivo de crianças e adolescentes considerados não adotáveis, seja pela faixa etária, seja por necessidades especiais. Poucos se dispõem, por exemplo, a adotar portadores de deficiência. É triste ver que eles são os últimos da fila e acabam envelhecendo nas instituições. O padrinho não leva a criança para casa, mas deve conviver com ela e ajudá-la financeiramente. Por isso, ele se torna uma referência para os pequenos. “Essas alternativas correspondem à cultura brasileira, onde é natural a criança ser cuidada por um familiar como o tio ou os avós”, diz a subsecretária Carmen de Oliveira. Uma das estratégias para implementar essas propostas é a montagem de um cadastro nacional informatizado. Ele permitirá agilizar o processo de adoção e outras formas de retirar os pequenos de abrigos. Se as possibilidades de uma criança ser adotada em um Estado se esgotarem, haverá a chance de ela ser acolhida em outras comarcas do País. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) recomenda que as varas de infância tenham equipes técnicas para analisar as famílias que querem adotar. “Alguns Estados têm, outros não”, afirma Alison Sutton, do Unicef.

O caso Madonna

Essas medidas visam evitar a adoção internacional. Mandar uma criança para outro país não é necessariamente um mal. Atualmente, muitos brasileiros estão felizes e bem tratados em casas de famílias estrangeiras. Mas a primeira opção das autoridades brasileiras é manter a criança no ambiente social e cultural em que ela nasceu e viveu seus primeiros momentos. A pop star Madonna sente os efeitos negativos de um processo recente de adoção internacional ao assumir o garoto David Banda, nascido em Malauí, na África. O pai do menino alegou que a cantora iria ajudar na sua educação sem adotá-lo oficialmente, o que levou os juízes a avaliar o caso pelos próximos 18 meses. No fundo, o que se pretende é que, independentemente de origem, etnia, idade ou até mesmo do local onde elas estejam, essas crianças sejam acolhidas em um verdadeiro ninho de amor.