Depois da greve de fome e de ter a sua candidaturaa presidente preterida pelo PMDB, Garotinho volta àcena e profetiza que o governo Lula vai enganar o povo

Mesmo sem participar diretamente da eleição presidencial, o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho foi apontado como um dos maiores derrotados do processo eleitoral. Exatamente porque tentou ser candidato pelo PMDB e não obteve a legenda. Depois disso, fez uma polêmica greve de fome e, ao apoiar o candidato tucano Geraldo Alckmin no segundo turno, viu formar-se uma frente política que procurou isolar seu gesto. Para agravar o quadro, em 31 de dezembro sua mulher, a governadora fluminense Rosinha Matheus, deixa o cargo e, pela primeira vez em oito anos, o casal não terá nenhum cargo eletivo. Um cenário capaz de exibir em primeiro plano um político em extinção, certo? Não para Garotinho – e ele tem bons argumentos para sustentar que continuará a ter presença da política nacional, além de apenas vontade. O primeiro é o da idade. Com apenas 46 anos, seus planos de ser candidato atingem as datas eleitorais de 2010, 2014 e, também, 2018. Ele também sustenta que o crescimento econômico do Rio de Janeiro, cuja renda per capita ultrapassou pela primeira vez na história a de São Paulo, lhe será creditado por muito tempo. Diz, ainda, ter a intenção de formar uma corrente política nacional que passe longe do ideário do PT e do PSDB. Isso significa aumentar sua influência dentro do PMDB. “A direção nacional levou o partido à derrota, enquanto no Rio tivemos a maior vitória da nossa história”, afirma. Para quem pensava que Garotinho morrera politicamente, ele avisa que está tão vivo quanto sempre esteve, disposto, mesmo sem a visibilidade de um cargo público, a continuar agitando. A seguir, a entrevista:

ISTOÉ – O sr. morreu politicamente nas últimas eleições?
Anthony Garotinho

De jeito nenhum. Comigo, o PMDB no Rio viveu a maior vitória de sua história. Fizemos a maior bancada de deputados federais do partido em todo o País, com dez eleitos. Elegemos o governador Sérgio Cabral, e o candidato a senador que nós apoiamos em aliança, Francisco Dornelles, também foi eleito. Na Assembléia Legislativa, contaremos a partir do ano que vem também com a maior bancada já eleita pelo partido, com 17 deputados estaduais. Se somarmos os aliados, vamos passar de 40 parlamentares. No plano estadual, o grande derrotado foi o sr. Cesar Maia. Além disso, eu tenho um trunfo que os meus adversários não têm.

ISTOÉ – Qual?
Anthony Garotinho

A idade. Estou com 46 anos. Lula elegeu-se presidente pela primeira vez com 57 anos. Fernando Henrique já tinha 62 anos quando ganhou pela primeira vez. Se eu não me eleger presidente da próxima vez, ainda terei 50 anos. E 54 anos dentro de oito anos. Portanto, eu tenho um elemento que garante a minha vida na política por muito tempo ainda. Saberei usá-lo.

ISTOÉ – Haverá eleições municipais dentro de dois anos. O sr. pretende se candidatar à Prefeitura do Rio de Janeiro ou, talvez, à de Campos, onde está o seu berço político?
Anthony Garotinho

Não pretendo disputar nenhum cargo municipal. Estarei atento ao cenário nacional, que tende a gerar complicações para o governo federal. No primeiro mandato, Lula decepcionou os intelectuais. No segundo, irá decepcionar o povo.

ISTOÉ – Por que o sr. tem essa certeza?
Anthony Garotinho

A conjuntura mundial aponta para uma desaceleração no ritmo de crescimento da China. Há, também, indefinição de rumos na economia americana. Isso tudo preocupa. Se o Brasil teve um crescimento médio de apenas 2% na era Lula, com uma conjuntura internacional altamente favorável, com um cenário complicado, sujeito a turbulências, isso pode acarretar dificuldades ao governo. Outra diferença é que, no primeiro mandato, o governo cometeu muita corrupção. Para abafar essa corrupção, introduziu o mensalão, comprando deputados. Mas, a partir de janeiro, em razão do resultado eleitoral de outubro, haverá uma nova safra de deputados. Esses parlamentares perceberam que os mensaleiros e também os sanguessugas deixaram uma mancha na política brasileira, na qual muitos pagaram com o próprio mandato e muita humilhação pública. Está claro que eles não estarão dispostos a fazer o que foi feito anteriormente.

ISTOÉ – Muitos dizem que será mais fácil para o governo constituir maioria.
Anthony Garotinho

Não estou entre os que pensam assim. O governo terá muito mais dificuldade para usar a força do dinheiro a partir de agora. É claro que o governo está falando em coalizão, mas quem conhece o Congresso Nacional sabe muito bem como aquilo funciona. Não é tão simples compor uma maioria, como o governo está alardeando. Lula só venceu esta eleição por absoluta falta de adversários que soubessem desmentir algumas de suas afirmações. Elas eram repetidas sucessivamente nos debates, e ninguém o contestava.

ISTOÉ – Ao que o sr. se refere especificamente?
Anthony Garotinho

Lula dizia que a corrupção apareceu mais no governo dele porque estaria havendo mais apuração. Ele afirmou que, antes, as coisas eram colocadas para baixo do pano. Só que isso não é verdade. Nós tivemos no País um presidente da República cassado por corrupção, o Fernando Collor de Mello. Lula também disse nos debates que, antes, a Polícia Federal trabalhava mal. Será que ele esqueceu que o delegado que apurou os escândalos de Collor é o atual chefe da Polícia Federal dele, o Paulo Lacerda? Ora, a corrupção apareceu no governo Lula porque efetivamente existiu.

ISTOÉ – O sr. agora irá para a planície da política, sem nenhum cargo. Não corre o risco de ser esquecido?
Anthony Garotinho

Eu passei os últimos quatro anos sem ocupar um cargo eletivo.

ISTOÉ – Mas sua mulher, dona Rosinha, ainda é governadora do Estado, de quem o sr. foi secretário. Isso o ajudou a estar no centro ou, ao menos, pertodo centro das atenções.
Anthony Garotinho

Para um político, o importante não é ter cargos, é ter idéias. O que conquista e move as pessoas são as idéias. E isso eu também tenho.

ISTOÉ – Por exemplo.
Anthony Garotinho

Acredito que o Brasil precisa repensar o seu caminho. É preciso crescer, e não cresceremos com esse modelo que foi instalado por Fernando Henrique e aprofundado durante o governo Lula. Eu vou juntar muita gente que pensa assim como eu, para que nós possamos lançar sobre o Brasil um olhar diferente. Não tenho dúvida, ao mesmo tempo, que seja necessário, desde já, adotar uma postura de fiscalização sobre o governo. Mesmo que ela não seja radical nem raivosa, terá de ser cuidadosa. Não será contra o governo, mas a favor do Brasil. Precisamos parar com essa história de que quem discorda do governo quer atrapalhar o País. Há muitas pessoas que amam o Brasil e discordam do governo. Parece que nós vivemos aquele slogan do tempo da ditadura, “ame-o ou deixe-o”. Esse tempo já passou.

ISTOÉ – Este ano, o sr. praticou um gesto político que muita gente não entendeu: uma greve de fome. Como o sr. avalia hoje aquele movimento? O sr. admite que foi um erro?
Anthony Garotinho

Eu sofro há três eleições aqui no Rio um cerco da grande mídia. Muitas informações são lançadas contra mim e depois não se confirmam. Já recebi diversas indenizações em razão dessas divulgações de fatos sem fundamento, mas isso não restaura a minha imagem. Por isso, cometi realmente um gesto extremo. Reconheço que a maioria das pessoas ainda não está preparada para entender esse gesto, que por sua vez também foi apresentado ao público com o foco da questão tendo sido deslocado. Eu fiz um protesto contra esse cerco de mídia. Tentou-se dizer que eu fiz a greve de fome para não responder às acusações feitas contra mim, mas a minha tentativa foi feita exatamente com o sentido contrário: busquei espaço para responder a afirmações incorretas.

ISTOÉ – Mas o sentido da greve extrapolou essa situação. Também ficou parecendo que a atitude foi adotada em protesto contra o fato de o PMDB ter ido contra a sua candidatura a presidente naquele momento.
Anthony Garotinho

Não creio que a maioria do público tenha visto a greve por este ângulo.

ISTOÉ – O sr. repetiria o gesto?
Anthony Garotinho

Não sei.

ISTOÉ – O seu apoio a Geraldo Alckmin, no segundo turno da eleição presidencial, criou uma frente contra Alckmin dentro do Rio de Janeiro. Foi correto apoiá-lo naquele momento?
Anthony Garotinho

Eu não declarei apoio a Geraldo Alckmin. Eles me pediram esse  apoio, o que é diferente.

ISTOÉ – O que aconteceu afinal?
Anthony Garotinho

O deputado Michel Temer ligou para mim perguntando qual iria ser o meu posicionamento no segundo turno. Eu disse que no primeiro turno eu havia declarado meu apoio a Heloísa Helena. Votei, mas não trabalhei por ela. Para o segundo turno, eu respondi ao Temer que ainda não tinha posicionamento. Aí ele me perguntou: “Por que você não apóia o Geraldo?” Explicou que tivera uma conversa com o candidato e que o apoio seria bem-vindo. Antes de terminarmos, Temer me disse que Alckmin iria me ligar. Passaram-se dez minutos e, de fato, ele telefonou. Pediu que eu fosse a São Paulo declarar o apoio, e eu fui. Mais tarde, os setores conservadores do Rio de Janeiro, que foram derrotados por nós, começaram a fazer uma onda. O problema do Geraldo Alckmin não aconteceu no Rio.

ISTOÉ – Qual é a sua avaliação?
Anthony Garotinho

No Rio, ele subiu dois pontos porcentuais em relação ao primeiro turno, passando de 28% para 30%. Mas tome-se Minas Gerais, por exemplo. No primeiro turno ele fez 40%, e no segundo fez 35%. Perdeu lá 500 mil votos. Em Goiás, ele caiu do primeiro para o segundo turno seis pontos porcentuais. Ele perdeu votos no Brasil inteiro. Foi um erro de campanha.

ISTOÉ – Alckmin assumiu corretamente o apoio que o sr. emprestou a ele?
Anthony Garotinho

Não, não. A pressão daqueles setores conservadores acabou levando a um recuo de Alckmin. Eu mantive o apoio até o fim, mas estava difícil fazer campanha para um candidato invisível, que não vinha ao Estado.

ISTOÉ – O que fica para o Rio dos quatro anos de administração Garotinho e mais quatro de Rosinha?
Anthony Garotinho

Nos últimos cinco anos, o PIB do Brasil cresceu 32%, enquanto o do Rio de Janeiro cresceu 55%. A produção industrial do Rio cresceu 70% a mais do que a produção industrial do País. O Estado gerou nos últimos cinco anos 500 mil empregos de carteira assinada. Já foram investidos no Estado, também nos últimos cinco anos, nada menos que R$ 80 bilhões. A constatação é que isso aconteceu em razão de uma série de incentivos dados pelo Estado. É um número que deve passar da casa dos R$ 100 bilhões. Em números absolutos, o PIB do Rio, que quando eu assumi estava bem próximo ao de Minas, abriu três pontos e se consolidou como o segundo maior do Brasil. E tem um detalhe: pela primeira vez na história, a renda per capita do Rio ultrapassou a de São Paulo.

ISTOÉ – Muitos dizem que tudo é em razão da bacia petrolífera fluminense.
Anthony Garotinho

É mentira dos nossos adversários. O petróleo representa apenas 19,4% do nosso PIB. Para o próximo ano, teremos uma nova e espetacular rodada de investimentos no Estado. A maior siderúrgica da América Latina, a CSA, que é uma associação entre a Vale do Rio Doce e a Thyesse Krupp, vai se instalar aqui a partir de um investimento de US$ 4 bilhões. A pedra fundamental foi colocada pela governadora Rosinha cerca de 20 dias atrás. Outro empreendimento grande é a nova usina da Votorantim, que irá para Resende com um investimento de R$ 500 milhões. A fábrica de cimento da CSN, que vai representar 30% de todo o cimento produzido no Brasil, ficará em Volta Redonda. Isso, além da ampliação da CSN, irá representar mais US$ 500 milhões. Já estão aprovados nos próximos dois anos, dentro do Rio, investimentos de R$ 50 bilhões. É por isso que o nosso governo deixa duas marcas muito fortes. A primeira é a da retomada do crescimento econômico. O Rio vinha se esvaziando desde os anos 1960, mas a curva mudou a partir de 1999. Outra característica nossa foi a de provar que é possível promover crescimento econômico com justiça social, coisa que o governo federal não foi capaz de fazer.