O renomado cirurgião neozelandês diz que os avanços contra o câncer vão continuar e que o tratamento será cada vez mais personalizado

O médico neozelandês Murray Brennan, 69 anos, é referência mundial em cirurgia oncológica. Foi a ele que o vice-presidente José Alencar recorreu quando des­cobriu, em 2006, o sarcoma (câncer dos chamados tecidos moles, como músculos) contra o qual luta até hoje.

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"Nos últimos 40 anos, prometemos muito mais do que entregamos em relação às vacinas contra a doença.
A maioria não foi bem-sucedida"

 

Presidente emérito do Departamento de Cirurgia do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova Yok, onde mora, Brennan operou Alencar duas vezes – uma delas no Brasil, em 2007. Embora afirme não estar autorizado a comentar o caso, diz que o vice-presidente brasileiro é exemplar na batalha contra a enfermidade. “A maneira como ele lida com a doença é extraordinária.” Como Alencar, Brennan é um otimista: acredita numa cura para todos os tipos de câncer. A seguir, a entrevista que concedeu à ISTOÉ durante uma pausa no Congresso Mundial de Cirurgia Oncológica, evento do qual participou, realizado no Rio de Janeiro.

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"Os benefícios da mamografia para mulheres com menos
de 50 anos são pequenos. Mas você pode fazer, se quiser"

ISTOÉ

Há quem veja limites nos avanços contra o câncer. O sr. acredita que a ciência encontrará uma cura mesmo para os tipos mais agressivos?

Murray Brennan

Claro. Dizer que há limites é como falar que o mundo já deu o que tinha que dar. Não acredito nisso. Creio que sempre leva mais tempo do que se espera, que é sempre mais difícil do que se imagina, mas que vai acontecer. Já fizemos muitos progressos.

ISTOÉ

Quais foram as descobertas mais relevantes até agora?

Murray Brennan

A mais animadora é que hoje conhecemos os genes que controlam alguns tipos de câncer. Assim, podemos criar uma droga direcionada para interferir no gene específico e impedir que o tumor cresça. Ele não some, somente para de crescer. A pessoa ficará bem, desde que tome o remédio. O problema é que, em muitos tumores, há a associação de seis, sete, nove genes. Temos, então, que identificar o mecanismo-padrão, ou seja, como eles interferem na célula para fazer com que ela cresça mais rapidamente.

ISTOÉ

Seria, então, transformar o câncer numa doença crônica?

Murray Brennan

Sim, esse é um dos objetivos das pesquisas. Queremos permitir que o paciente conviva com o câncer, mantendo a qualidade de vida. Também se estudam formas de diminuir os efeitos colaterais do tratamento, incluindo aí não só a quimioterapia, mas as cirurgias.

ISTOÉ

Em que sentido a cirurgia evoluiu?

Murray Brennan

As operações ficaram muito tecnológicas. As intervenções são mais precisas, menos invasivas e, por isso, mais seguras. Os equipamentos permitem procedimentos que não poderiam ser feitos anteriormente. O resultado pode ser até o mesmo, como a extração de um tumor, mas o paciente sofre menos.

ISTOÉ

Qual é a real importância do pensamento positivo na recuperação?

Murray Brennan

Acho que o paciente deve ser realista. Manter um falso otimismo é tolice. Por outro lado, quando uma pessoa fica deprimida por causa da doença, ela se sai pior do que quem mantém uma postura realista.

ISTOÉ

Como comunicar más notícias sem criar falsas expectativas ou desencorajar o paciente?

Murray Brennan

Não digo: “Vou te curar.” Falo: “Posso ajudar.” Isso não é falso otimismo. Eu realmente acredito que posso ajudar. “Você pode me curar doutor?” “Não sei.” Meu conhecimento tem de guiar a maneira como articulo essa resposta. Tenho que me basear na realidade. Não sou Deus.

ISTOÉ

O sr. tem contato com o vice-presidente do Brasil, José Alencar?

Murray Brennan

Não estou autorizado a falar sobre isso.

ISTOÉ

No Brasil, ele é usado como um exemplo da importância que o pensamento positivo tem no tratamento do câncer. O que o sr. acha disso?

Murray Brennan

Acho que ele é um homem impressionante, assim como sua família e seu comprometimento com o Brasil. E a maneira como ele lida com seu câncer é extraordinária.

ISTOÉ

Como o nosso vice-presidente, brasileiros ainda vão aos EUA, entre outros países, em busca de tratamento. O Brasil está em desvantagem em relação ao Exterior?

Murray Brennan

O Brasil tem alguns dos melhores médicos do mundo. Todo médico no Brasil é bom? Claro que não. Nos EUA também não. Eu trabalho e moro na cidade de Nova York. Em 20 quadras, você encontra um dos melhores e um dos piores cuidados médicos do mundo. No Brasil, provavelmente não é muito diferente. Mas desde os anos 70, quando comecei a trocar experiências com brasileiros, a qualidade do tratamento avançou muito. Via muitos pacientes do Rio de Janeiro e de São Paulo há 15 anos. Já não os vejo mais. Na maioria dos casos, é porque não preciso. Se um médico aqui identifica algo sobre o qual acha que entendo, ele me liga. O paciente pode nunca saber que ele falou comigo.

ISTOÉ

As técnicas mais avançadas para o tratamento do câncer um dia serão acessíveis a todos?

Murray Brennan

Boa parte da tecnologia é muito cara, assim como muitas pesquisas para o desenvolvimento de remédios. Mas, quanto mais comumente usadas elas passam a ser, mais baratas ficam. Governos e empresas de seguro de saúde terão que colocar limites em relação ao que querem fazer. É uma decisão política.

ISTOÉ

O que acha da recomendação de instituições de saúde americanas para que as mulheres façam mamografias apenas a partir dos 50 anos?

Murray Brennan

É um debate muito distorcido pela mídia. O que a recomendação atual fala é: se não fizerem o exame, algumas mulheres vão morrer. Isso provavelmente é verdade. Mas o que esses serviços disseram, na verdade, era: estamos realizando um número enorme de mamografias. Na maioria, achamos coisas que não são câncer. Muitas mulheres passam por biópsias, exames de raio X, tratamentos desnecessários. Eles não estavam dizendo: não faça mamografia. Diziam: entenda que os benefícios de uma mamografia para mulheres com menos de 50 anos são pequenos. Mas você pode fazer uma mamografia se quiser.

ISTOÉ

O problema são os gastos desnecessários?

Murray Brennan

Não é bom para as pacientes nem para a economia. Cedo ou tarde, teremos que usar o dinheiro da saúde da melhor maneira possível. Temos um grande problema nos EUA. Por um lado, não podemos pagar o que estamos fazendo e, por outro, muitas pessoas não recebem tratamento nenhum. O que é melhor? Oferecer mamografia aos 40 anos para as mulheres que têm seguro de saúde ou, já que não traz tantos benefícios, investir o dinheiro na saúde das crianças? É uma decisão política.

ISTOÉ

Qual é a sua opinião sobre a retirada preventiva das mamas por mulheres que apresentam risco para tumor?

Murray Brennan

Para falar de cirurgia preventiva, você tem que ter o diagnóstico certo. Você deve saber que, se sua mãe, sua irmã, sua tia tiveram, suas chances são maiores. No meio disso, há os testes genéticos. Se você descobrir que tem o gene anormal, deve levar em conta as chances de desenvolver câncer de mama. Devo ser capaz de dizer qual é o seu risco de desenvolver a doença. Mas não é meu papel dizer o que fazer. Se for 80%, talvez você deva remover os dois seios. Se o risco é 5%, você pode dizer: “Posso lidar com esse risco.” Ou então: “Não tolero risco nenhum, isso me deixaria louca. Eu não ligo para como me pareço quando estou nua.” É uma decisão emocional, sobre a qual pesa muito se um familiar próximo morreu vítima da doença. Muitas pacientes me perguntam o que eu faria. Eu sou um homem, eu não sei.

ISTOÉ

Mesmo quando sabe que as chances de a paciente desenvolver um câncer de mama são pequenas?

Murray Brennan

Eu, pessoalmente, não faria isso. Se fosse minha filha, diria a ela para não fazer se as possibilidades fossem de 5%. Mas, se você está tão paralisada pelo medo, eu provavelmente não poderei impedi-la.

ISTOÉ

O sr. vê potencial nas vacinas contra o câncer?

Murray Brennan

Infelizmente, nos últimos 40 anos, prometemos muito mais do que entregamos em relação às vacinas. A maioria não foi bem-sucedida. Mas há uma outra abordagem mais atraente: identificar o tipo de célula que, naquele paciente, é capaz de atacar o câncer dele, e multiplicá-la. Não seria exatamente uma vacina.

ISTOÉ

Qual o problema em relação a elas?

Murray Brennan

Uma das dificuldades é que o câncer se desenvolve como um objeto estranho no corpo. Isso significa que ele burla o sistema imunológico. Se você tem uma infecção causada por uma bactéria, seu corpo reconhece esse objeto estranho, mas a maioria dos tumores escapa a esse reconhecimento pelas nossas próprias células. No entanto sabemos que em algum momento existem células anormais criadas por nós que são erradicadas. Há, então, uma capacidade de reconhecer essas células anormais. Mas ainda precisamos conhecer mais esse processo.

ISTOÉ

Qual seria o próximo passo?

Murray Brennan

A pergunta é: posso identificar as células que combatem o câncer, multiplicá-las e devolvê-las ao paciente para que destruam os tumores? Ou, posso encontrar um estimulante, algum tipo de anticorpo, que ataque as células cancerosas?

ISTOÉ

Em que fatores se baseia um prognóstico?

Murray Brennan

O sistema mais simples consiste em saber se o tumor é localizado ou se já avançou para outras áreas do corpo. Hoje podemos olhar para o tumor indivi­dualmente e dizer para onde é mais provável que ele avance. Isso é encorajador. Sabendo disso, o tratamento será diferente.

ISTOÉ

De que maneira?

Murray Brennan

Eles serão específicos para cada caso. Vamos saber dizer por que o câncer de mama se espalha para o pulmão em uma mulher e, em outra, para o osso. Poderemos individualizar o tratamento. O tumor será removido nos dois casos, mas, como saberemos para onde as células cancerosas estão propensas a ir, a prevenção de uma eventual recidiva será diferente. Em animais já podemos fazer isso, em humanos ainda não. Mas é o futuro.

ISTOÉ

Em quanto tempo?

Murray Brennan

Não sei. Qualquer previsão que fizermos, não corresponderá à realidade. Se eu disser cinco anos, vai levar de dez a 15. Mas vai acontecer.