Apaixonado pela gastronomia, o químico húngaro Nicholas Kurti (1908-1998), professor emérito da Universidade de Oxford, indignava-se quando lhe serviam um suflê mal assado. O professor dizia: “É um absurdo que se conheça a temperatura do interior das estrelas e se ignore a da massa do meu prato favorito.” Atualmente, os grandes chefs internacionais são unânimes em afirmar que 50º Celsius é a temperatura ideal para prepará-lo. E essa marca só pôde ser cravada porque, cada vez mais, a gastronomia se vale da ciência para aperfeiçoar cardápios. Essa nova área de pesquisa se chama Gastronomia Molecular e seu objetivo é compreender como as moléculas dos alimentos atuam em nosso organismo nos quesitos sabor e prazer – sobretudo no neurotransmissor chamado dopamina, que, em nosso cérebro, responde pela saciedade e bem-estar.

“É a molécula do sabor que dá a sensação de prazer”, diz o chef americano David Kasabian, um dos pioneiros nesse ramo. Batizada de umami, essa molécula foi descoberta pelo professor de química da Universidade de Tóquio Kikunae Ikeda. A idéia de isolá-la surgiu depois que ele percebeu que o sabor de seu adorado dashi (sopa de algas kombu com lascas de peixe seco) não era doce, amargo, salgado nem azedo. Intrigado, o químico levou o caldo para seu laboratório e descobriu, então, que o gosto do dashi vinha de um aminoácido chamado glutamato – e a molécula umami é um dos principais componentes desse glutamato. Ikeda também isolou essa molécula no tomate, na carne e em queijos fortes.

A sua pesquisa abriu uma nova fronteira para os chefs, que, conhecendo a molécula umami, passaram a recorrer a laboratórios para testar os seus truques e segredos de cozinha. Chegaram à conclusão de que os alimentos ricos em umami dão muito mais prazer porque ele é um estimulante da dopamina. Quem gosta de peixe, por exemplo, pode se sentir saciado com qualquer pescado, mas o prazer em saboreá-lo é diretamente proporcional à quantidade de umami presente no prato. Não há quem coloque ketchup até sobre pizza? A resposta é sim. E a razão é a seguinte: para quem adora pizza, ela fica ainda mais atraente com esse molho porque ele é rico em umami.

No casamento entre a ciência e a gastronomia, os dois lados saem ganhando. A prova disso é que a partir desses estudos se identificou, em nossas línguas, a presença da proteína mGluR4. Através do mecanismo biológico conhecido como “chave-fechadura”, essa proteína e a molécula umami se “encaixam” perfeitamente durante a mastigação. Os testes clínicos mostraram que, ao ingerir o umami, os voluntários tiveram os seus batimentos cardíacos acelerados e, no cérebro, houve um aumento no índice de recaptação de dopamina. Ou seja: a molécula umami, presente nos alimentos, funciona como uma droga natural que pode potencializar o sabor dos pratos e o prazer de nos alimentarmos, interagindo com a nossa química cerebral. Mas, apesar de potencializar o sabor dos alimentos, o umami não faz milagres: quem não gosta de um determinado prato, não o apreciará somente porque ele tem a molécula do sabor.

Mesmo com essas pesquisas seguindo em todo o mundo com ritmo acelerado, ainda são raros os restaurantes que vão se especializando em “cardápios científicos”. Um dos mais famosos é o inglês The Fat Duck, pertencente ao cozinheiro Heston Blumenthal, que se associou a um químico de Londres. Com a ajuda da ciência, Blumenthal conseguiu incluir o seu estabelecimento no conceituado Guia Michelin, a bíblia da gastronomia internacional. Uma de suas criações prediletas são as hóstias de chocolate branco com caviar. A mistura, totalmente estapafúrdia à primeira vista, mostrou-se cientificamente perfeita quando foi submetida a um espectômetro de massa. Esse instrumento, utilizado em laboratórios de química para calcular a massa e a estrutura dos átomos, revelou que as moléculas responsáveis pelo aroma e pelo sabor do chocolate e do caviar são extremamente parecidas. Foi assim que surgiu esse prato exclusivo do The Fat Duck – uma delícia que pesa menos de 20 gramas e custa cerca de US$ 240. “Através da molécula do sabor, criamos essa verdadeira jóia da gastronomia”, diz Blumenthal.