Conselheiro especial da ONU para sustentabilidade, o economista com passagens pelo FMI e pelo Banco Mundial defende que densidade populacional não precisa ser sinônimo de caos urbano

O economista Jeffrey Sachs, professor da Universidade de Colúmbia e diretor do Instituto Terra da mesma universidade de Nova York, é hoje uma das principais referências sobre desenvolvimento sustentável no planeta. Ex-conselheiro do FMI, do Banco Mundial e de países tão díspares quanto os Estados Unidos e a antiga União Soviética, hoje Sachs trabalha diretamente com o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, para as Metas do Milênio. Com isso, o economista tem se tornado um dos principais articuladores sobre os polêmicos e ainda pouco produtivos debates que envolvem as questões relacionadas às mudanças climáticas e seus agentes causadores. “Não resolveremos a questão climática se não resolvermos o problema da crescente pobreza no mundo”, diz ele. “E o inverso é verdadeiro.” Nesta semana Jeffrey Sachs vem ao País para lançar a filial brasileira da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (RSDS), um programa mundial da ONU que pretende fazer com que grandes cidades do mundo troquem experiências de ações bem-sucedidas na busca pelo desenvolvimento sustentável.

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Jeffrey Sachs
O economista é conselheiro especial da ONU para mudanças climáticas

Nesta entrevista exclusiva à ISTOÉ de Nova York, ele defende que grandes cidades não são, exatamente, sinônimo de má qualidade de vida. “Metrópoles podem gerar ganho de escala e oferecer alta qualidade de vida para as pessoas que vivem nos aglomerados urbanos.” 

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"Se a pobreza não for controlada, a África terá quatro bilhões de pessoas
até o fim do século. Não há como ter desenvolvimento sustentável assim"

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"O lobby das companhias de petróleo intimidou o investimento em fontes limpas
de energia, como a eólica, a solar ou os biocombustíveis, como o etanol brasileiro"

ISTOÉ

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Por que não conseguimos chegar a um acordo sobre a redução das emissões de carbono?
 

Jeffrey Sachs

Até agora o lobby das companhias de petróleo ganhou, mas isso vai mudar em breve, eu acredito. A população quer segurança para seus filhos e para o planeta. A tecnologia pode oferecer um futuro com baixa emissão de carbono. Temos é que estabelecer metas claras, marcos e prazos.

 
ISTOÉ

Mas isso já não foi feito no passado, com o Protocolo de Kyoto e outros acordos advindos da Rio 92?

 
Jeffrey Sachs

Nós perdemos muito tempo desde a Rio 92. Vinte e dois anos depois, as três principais ameaças: clima, biodiversidade e desertificação, ainda não foram resolvidas adequadamente. O resultado é que as mudanças climáticas e a perda de ecossistemas estão bem piores do que deveriam estar. Os problemas a serem abordados nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no próximo tratado em Paris, em dezembro de 2015, poderiam não ser mais problemas.

 
ISTOÉ

Se os prejuízos são em escala tão ampla, por que então empresas e governos são tão reticentes em encontrar soluções efetivas para a questão climática?

 
Jeffrey Sachs

O grande problema é o lobby das indústrias de energia de fonte fóssil contra investimentos em fontes alternativas como eólica, solar, geotermal e combustíveis avançados, por exemplo, o etanol de cana-de-açúcar no Brasil e, sim, a nuclear, que não emite gás carbônico.


A transição para uma economia de baixa emissão de carbono levará cerca de 25 anos e envolve a conversão de automóveis para células elétricas ou, em alguns locais, para biocombustíveis, desde que eles não concorram com áreas para alimentação e para a natureza.
 
ISTOÉ

O sr. cita constantemente o lobby das empresas de energia como empecilhos para os avanços nas metas de redução das emissões de carbono. No meio empresarial a questão da sustentabilidade é uma questão de marketing?
 

Jeffrey Sachs

Acredito que para a maioria das empresas a preocupação é real. Elas estão preocupadas com suas cadeias de abastecimento, seus clientes e com a sociedade em que estão inseridas. Algumas indústrias, contudo, ainda não estão prontas para atuar conforme as regras do planeta. A indústria petrolífera ainda não mudou isso, mas mudará.
 

ISTOÉ

O sr. defende que o problema global da pobreza está ligado diretamente às questões ambientais. Por quê?
 

Jeffrey Sachs

 Se a crise ambiental não é resolvida, a pobreza não pode terminar. A África, por exemplo, é extremamente vulnerável às mudanças climáticas, uma vez que já é bastante quente e as altas temperaturas ameaçarão as plantações. Há alta transmissão de doenças, escassez de água em muitos locais e outros desafios importantes. Todas essas crises ambientais, se não controladas, vão minar o desenvolvimento econômico em longo prazo na África, na Ásia e em partes da América Latina.

ISTOÉ

O inverso é verdadeiro? O baixo desenvolvimento econômico contribui para a ampliação dos problemas ambientais, como vemos na Floresta Amazônica brasileira?
 

Jeffrey Sachs

Se a pobreza não for administrada, a população da África, por exemplo, continuará a crescer descontroladamente, alcançando até mesmo quatro bilhões de pessoas até o fim do século; hoje são um bilhão. Essa explosão populacional pode agravar a pobreza e comprometer a biodiversidade e o fornecimento de água no continente. Por todas essas razões, o controle ambiental, incluindo o controle das mudanças climáticas, é parte integrante para o fim da pobreza extrema.
 


ISTOÉ

Cada vez mais as grandes metrópoles têm concentrado o maior contingente da população pobre mundial. Alta densidade demográfica significa cidades pouco sustentáveis?
 

Jeffrey Sachs

Na verdade, não. A alta densidade demográfica pode significar uma alta qualidade de vida se a infraestrutura for excelente, as áreas comuns bem desenhadas, por exemplo, ruas que sejam agradáveis tanto para caminhar como para um comércio, e ter ainda uma educação de qualidade e inclusiva.
 

ISTOÉ

Uma grande concentração de pessoas pode, então, gerar ganho de escala sob o ponto de vista ambiental nas grandes cidades?

 
Jeffrey Sachs

As metrópoles podem ser mais eficientes no fornecimento de energia, por exemplo, do que uma cidade pequena ou média. Assim como ter um transporte público mais confiável, mais capilarizado e com um melhor compartilhamento de veículos públicos do que a alta concentração de carros privados. A alta densidade populacional também pode ser um polo atrativo para universidades de excelência e negócios ou startups de alta tecnologia.
 

ISTOÉ

É possível acreditar que teremos grandes metrópoles sustentáveis no futuro?
 

Jeffrey Sachs

As cidades precisarão combinar a infraestrutura do século XXI como transporte, comunicação, água, esgoto, com a qualidade dos serviços públicos como saúde, educação em todos os níveis, governo e criação de empregos. As cidades ainda terão que mudar para uma economia de baixa emissão de carbono, baseada em eficiência energética e fontes mais limpas (hidráulica, eólica e solar) e também estarem preparadas para absorver e lidar com as mudanças climáticas, como as tempestades, o aumento do nível do mar e as altas temperaturas.
 

ISTOÉ

O Brasil foi pioneiro na institucionalização do termo “direito urbanístico”. O que é isso?
 

Jeffrey Sachs

O ‘direito urbanístico’ visa democratizar as cidades e se certificar que seus recursos públicos – como estradas e parques – estão realmente disponíveis para todos os cidadãos. O conceito é muito bom, mas a aplicação prática é que é a chave. Se o direito à cidade leva para a implementação de uma visão coerente de desenvolvimento sustentável, fundamentado em direitos políticos e sociais, assim como ciência ecológica e tecnologias sustentáveis, então o conceito pode desempenhar um importante papel.
A Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (RSDS) que eu enviei para o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pede especificamente por uma rede de soluções para o desenvolvimento sustentável urbano, que promoverá cidades mais sustentáveis e capazes de absorver os eventos sociais, econômicos e ambientais extremos.
 

ISTOÉ

O sr. tem uma participação ativa em diferentes organismos da ONU, que vem sofrendo críticas constantes por seu papel nos debates mundiais sobre a questão climática. Qual foi a contribuição da ONU para ampliar a sustentabilidade no planeta?
 

Jeffrey Sachs

As principais contribuições foram as Metas do Milênio para o Desenvolvimento Sustentável até 2015 e então os novos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável até 2030, e a cooperação nos acordos ambientais multilaterais, como a Convenção das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (UNFCCC), tratado negociado durante a Rio 92.

O “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável” será um guia global crucial para ações tão diversas como fim da pobreza, acesso universal aos cuidados médicos, bons empregos para todos, redução das emissões de gases do efeito estufa, proteção da biodiversidade e reformas de governança, como repressão aos paraísos fiscais internacionais e de sigilo fiscal.


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