O golpe de 1964 bloqueou as reformas de base (de Jânio e de Goulart) e precipitou o País numa ditadura de 21 anos. A direita ganhou com a contribuição da esquerda, que ajudou a desestabilizar um e a radicalizar outro. Meio século depois, a pergunta pertinente é: o que levou o golpe derrotado em 1955 e 1961 à vitória em 1964?

Em 1955, o Marechal Henrique Lott, ministro da Guerra, e o general Odílio Denys (golpista em 64) desfecharam um “contragolpe” e depuseram o presidente interino, Carlos Luz, para garantir a posse do presidente eleito, Juscelino Kubitschek, da coalizão PSD-PTB. Lacerda e os radicais da UDN fugiram no Cruzador Tamandaré depois que as Forças Armadas e os políticos persistiram na legalidade das urnas.

Em 1961, Jânio Quadros renunciou e os ministros militares tentaram impedir a posse do vice-presidente, João Goulart, eleito pelo PTB com 36% dos votos. Governadores como Leonel Brizola (RS), Magalhães Pinto (MG), Nei Braga (PR), Carvalho Pinto (SP) e Mauro Borges (GO) – com a exceção do primeiro, todos apoiadores de 1964 – sustentaram a legalidade junto com o general José Machado Lopes, do III Exército, e as rádios da Cadeia da Legalidade. A aprovação da emenda parlamentarista permitiu a posse de Goulart.

Entretanto, desde 1959 a Revolução Cubana acendera esperanças revolucionárias. O ano de 1962 viu muitas greves, três primeiros-ministros derrubados por sindicatos, o PTB crescer nas eleições legislativas e o presidencialismo arrasar no plebiscito de 1963, vencendo por nove milhões de votos contra dois milhões. Goulart assumiu o poder com 52% de inflação ao ano, mas os aliados de esquerda rejeitaram o Plano Trienal proposto por San Thiago Dantas e Celso Furtado como “recessivo” (e era, em curto prazo).

Em maio, mil sargentos desafiaram a hierarquia defendendo as reformas sociais. Em setembro, 600 sargentos e soldados se rebelaram contra a sua inelegibilidade política, o Supremo Tribunal Federal e a Constituição. Prenderam um ministro do STF, ocuparam o Ministério da Justiça em Brasília e dispararam nos ministérios antes de serem dominados.

Em São Paulo, o comandante do II Exército, general Peri Beviláqua (baluarte da legalidade em 1961), criticou a agitação e foi demitido. Em outubro, sindicalistas ameaçaram convocar uma greve geral em apoio às reivindicações de bancários. Criticado pela esquerda e pela direita, Goulart pediu o Estado de Sítio, mas desistiu. A inflação chegou a 78%. Em janeiro de 1964, o presidente propôs novas leis nacionalistas e reformistas. Cem mil pessoas foram ao comício de apoio às reformas, na Central do Brasil. Cinco dias depois, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade respondeu com 300 mil em São Paulo.

Em 25 de março, marinheiros ocuparam o Sindicato dos Metalúrgicos da Guanabara. O ministro da Marinha mandou prendê-los, mas foi demitido pelo presidente, que anistiou os manifestantes. Em 30 de março, já com o golpe na rua, o presidente foi à assembleia da Associação dos Sargentos e Suboficiais da Polícia Militar, no Automóvel Clube do Brasil, no Rio, onde proferiu seu último discurso, melancólico e beligerante.

Em 1964, os golpistas eram minoria, mas a maioria estava assustada com a radicalização, a inflação e a instabilidade. Ao contrário de 1955 e 1961, a legalidade desprezada deixara de ser um antídoto para o medo. A esquerda empurrou o centro para a direita.

Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta