Pelo simples fato de serem constantemente fotografadas, celebridades geralmente desenvolvem técnicas para não perder o controle do que exibem de si mesmas. Conhecem o seu melhor ângulo, a sua mirada mais sedutora e a imagem que lhes é conveniente na vida pública. Um grande retratista seria, portanto, aquele que conseguisse romper essa máscara e surpreender inclusive a própria personalidade enfocada. Annie Leibovitz pertence a esse grupo. Para ilustrar uma matéria sobre Whoopi Goldberg na revista “Vanity Fair”, a fotógrafa fez a ela um pedido inusitado: queria mostrá-la mergulhada em uma banheira transbordando de leite. E assim se deu. Essa é uma das imagens que sintetizam o estilo de Annie não apenas pela irreverência e pelo resultado plástico. Em vez de buscar uma “verdade interior” do retratado, ela faz uma leitura de sua “persona”. No caso de Whoopi, parte de um clichê da vaidade feminina, o banho de leite, e o usa num jogo puramente estético entre o preto e o branco, desmontando qualquer ideia preconceituosa em relação ao reinado de uma estrela de pele negra. Whoopi entendeu a ironia: “Os gatos me seguiram durante semanas”, comentou ela.

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BANHO DE LUXO
Whoopi Goldberg na foto da revista "Vanity Fair"

Essa foto foi escolhida para a capa do livro “Annie Leibovitz”, lançado na semana passada em Los Angeles numa locação muito usada pela fotógrafa: o mitológico hotel Chateau Marmond, em Beverly Hills. Editado pela Taschen, traz os 250 melhores trabalhos feitos por Annie em 40 anos de carreira e sai com o selo “SUMO” apresentado como o maior livro de arte já produzido.

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REABILITADA
Annie Leibovitz, que passou pela morte da companheira
Susan Sontag e por uma quase falência: em forma

A publicação, com tiragem limitada de dez mil exemplares, tem dimensões de 50 cm x 69 cm e pesa 26 quilos. Para ser melhor manipulada, vem com um pedestal criado pelo designer Marc Newson. Custa US$ 2,5 mil (a versão de colecionador) e US$ 5 mil (a versão de “fine art” autografada dos primeiros mil exemplares). Sua edição marca o ressurgimento da artista, abalada pela morte da companheira Susan Sontag, em 2004, e a sua quase falência cinco anos depois, devido a uma dívida de US$ 24 milhões.

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GLAMOUR
A vencedora do Oscar Cate Blanchett em foto de 2004, quando estrelou "O Aviador",
de Martin Scorsese: exibição do lado menos óbvio de sua personalidade

Ser escolhido para uma honraria como essa, só conferida a Helmut Newton e a Sebastião Salgado, denota o poder de um fotógrafo no concorrido mercado das imagens. Ao escolher as fotos desde os tempos de suas matérias para a revista “Rolling Stone”, nos anos 1970, até a brilhante passagem pelas revistas “Vanity Fair” e “Vogue”, a própria Annie percebeu que o poder era justamente o que norteava o seu trabalho. De fato, desfilam pelas 476 páginas do volume o “quem é quem” do show biz, das artes, do esporte, da política e dos negócios. Flagrantes de estrelas de cinema como a vencedora do Oscar Cate Blanchett em pose de diva, a estonteante Scarlett Johansson em trajes de dançarina dos anos 1920, a apresentadora do Oscar Ellen DeGeneres em roupas íntimas, o corredor olímpico Carl Lewis de sapatos de saltos vermelhos, além de Jack Nicholson, Arnold Schwarzenegger ou Lady Gaga, são uma pequena amostra da galeria de famosos – é de se imaginar o trabalho que foi justamente fazer a seleção dessas pessoas, já que estar no foco de Annie Leibovitz equivale a ser pintado por um célebre artista séculos atrás.

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PROVOCAÇÃO
O corredor americano Carl Lewis em posição de largada, com salto alto:
foto de 2004, quando ele tinha seis medalhas de ouro e ainda não havia se assumido gay

Por isso, ela foi a primeira fotógrafa não inglesa a retratar a rainha Elizabeth II, em 2007, fotos obviamente no livro – teve 25 minutos para tirá-las. Ao lembrar a sua ida para a “Vanity Fair” depois dos anos loucos da “Rolling Stone” (teve que passar por desintoxicação de drogas),
a editora Tina Brown disse que esse momento foi o “abra-te, Sésamo” da revista, que estourou as vendas nas bancas: “Elas (as celebridades) sabiam que Annie faria algo extraordinário, que ela as forçaria a fazer coisas que não seriam capazes com outras pessoas.” Bem-humorada, a fotógrafa diz que mostra apenas “um pedacinho” dos famosos. E que pedaço.

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