Alçada ao posto de presidenta mundial da General Motors, tornando-se a primeira mulher a assumir essa função em uma montadora, a engenheira americana Mary Barra, 51 anos de idade e 33 de GM, teve que lidar com uma injustiça. Seu salário, de US$ 4,4 milhões por ano, estava abaixo do do antecessor, Dan Akerson, que recebia US$ 9,1 milhões anuais. Mais estranho ainda: Akerson receberá US$ 4,6 milhões por ano para prestar consultoria à própria GM. Depois da enorme repercussão e do estrago que o episódio poderia provocar, a GM anunciou que Mary poderá embolsar US$ 14,4 milhões em 2014, mas o valor está sujeito à aprovação de acionistas, em decisão que será tomada em junho, e ao desempenho da montadora. Desde que o movimento feminista foi às ruas, há cinco décadas, as mulheres quebraram barreiras em diversas áreas, mas alguns obstáculos parecem intransponíveis. Por mais que estejam amplamente inseridas no mercado de trabalho – hoje presidem empresas e governam países –, elas ainda ganham menos do que os homens. Diversos estudos publicados na semana passada, como parte das comemorações do Dia Internacional da Mulher, festejado em 8 de março, confirmam o incômodo fenômeno. A diferença de rendimentos é ainda mais inexplicável quando se comparam os níveis de escolaridade dos sexos. Em países como Brasil e Estados Unidos, as mulheres têm mais anos de estudo do que os homens. Se teoricamente estão mais bem preparadas, por que recebem menos? Um caso recente ilustra as discrepâncias salariais.

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NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA
Mary Barra, nova presidenta mundial da GM: o salário dela corresponde
a menos da metade do que era pago a seu antecessor

O que a polêmica em torno da remuneração de Mary Barra expôs é que, não importa quão poderosas elas sejam, as mulheres ganham muito menos. E ponto final. O assunto esteve até em discurso do presidente dos Estados Unidos no Capitólio, que teve a presidenta da GM como convidada especial. Barack Obama classificou a disparidade salarial entre gêneros como um “constrangimento”. “Uma mulher merece o mesmo pagamento pelo mesmo trabalho”, disse. Parece óbvio, mas não é o que acontece dentro das empresas. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, no mundo a distância entre a remuneração das mulheres e dos homens é, em média, de 22,9%. No Brasil, essa defasagem é ainda maior: 27% (leia quadro). E isso serve para os cargos mais qualificados também, em que não existem tetos salariais. Entre os executivos mais bem pagos das 500 maiores empresas do mundo classificadas pela agência Standard & Poor’s, as mulheres representam 8% do total. De acordo com a Bloomberg, elas receberam, em média, US$ 5,3 milhões no ano passado, ou 18% menos que os homens do ranking. Denise Morrison, presidente da gigantesca Campbell Soup, ganhou 25% abaixo da média dos presidentes da indústria de alimentos, bebida e tabaco.

Algumas pesquisas colocam a culpa da disparidade salarial para além de uma discriminação histórica e cultural e argumentam que as mulheres simplesmente não são tão boas na hora de pedir aumento. Para Heidi Hartmann, presidente do Institute for Women’s Policy Research, de Washington, elas não negociam tanto quanto os homens porque, quando o fazem, são punidas. “As mulheres são muitas vezes vistas como egoístas e pouco confiáveis nessas situações, enquanto os homens se beneficiam de uma imagem mais agressiva”, disse à ISTOÉ. “Quando são orientadas a negociar, as mulheres devem dizer que promovê-las é melhor para o bem da empresa, do coletivo. Os homens têm a liberdade de só dizer que merecem um aumento por seu trabalho.”

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NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS
Denise Morrison, presidenta da gigantesca Campbell Soup, ganha 25% menos
do que os presidentes das empresas do setor de alimentos dos EUA

Entre as soluções para eliminar a distância salarial de gêneros, especialistas acham que uma saída é a criação de políticas públicas antidiscriminatórias. Em Boston, nos EUA, um pacto assinado entre a iniciativa privada e o governo se propõe a igualar os salários de homens e mulheres. Segundo Anne Doyle, executiva aposentada da Ford e autora do livro “Powering up! How America’s Women Achievers Become Leaders”, as companhias do setor automotivo também fizeram progressos ao promover mulheres a cargos de gerência durante os anos 80. “Mas, nos últimos anos, elas deixaram a indústria frustradas por não conseguirem ir além”, disse à ISTOÉ. “Isso resultou não só no desperdício de talentos, mas numa geração inteira de engenheiras que se formou sem o menor interesse em trabalhar nas grandes montadoras.” No Brasil, de acordo com a consultoria Grant Thornton, apenas um em cada quatro executivos sênior é mulher. A relação é inferior à observada em países de tradição machista, como China e Rússia. Da lista das 500 maiores empresas dos Estados Unidos organizada pela revista “Fortune”, as executivas respondem por 20% dos cargos de diretoria e 4% de presidência executiva, como Marissa Meyer, do Yahoo!, e Virginia Rometty, da IBM. É quase nada diante do que elas conquistaram nos últimos anos.

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Fotos: ARNE DEDERT/DPA; Mel Evans/AP Photo