A primeira reação do governo às ameaças de rompimento feitas pelo PMDB se deu por meio de uma imagem. Na foto que ilustra esta página, a presidenta Dilma Rousseff e seu antecessor Lula entrelaçam as mãos numa demonstração total de simbiose entre os interesses do governo e a estratégia de campanha. Assim, duas mensagens foram enviadas. A primeira destina-se a setores do PT que ainda insistem na tese do “Volta, Lula”. O ex-presidente deixou claro na reunião, convocada às pressas na quarta-feira de cinzas, que apoiará a reeleição de Dilma e todas as suas decisões. O segundo recado se dirige aos aliados do PMDB, que entraram em 2014 em situação de rebelião: seja na Esplanada, seja na negociação dos palanques estaduais que emperram a organização da campanha nacional. O governo acha que chegou ao seu limite e não pretende curvar-se a novas pressões em troca de apoio. Na cúpula do PMDB, a interpretação é a de que o governo petista sente que pode ganhar a eleição de outubro sem a ajuda de seu principal aliado.

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A IMAGEM QUE VALE POR MIL PALAVRAS
Na quarta-feira 5, no Palácio da Alvorada, a presidenta Dilma Rousseff convidou
seus principais conselheiros, entre eles o ex-presidente Lula e o marqueteiro
João Santana, para debater os rumos de sua campanha à reeleição.
Em pauta, a crise com o PMDB de Eduardo Cunha (abaixo)

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Como o PMDB evitou citar o PT ou Dilma na propaganda eleitoral veiculada na tevê nas últimas semanas, faz sentido a ausência de peemedebistas no encontro da quarta-feira 5. À imensa mesa de granito e carvalho da biblioteca do Palácio da Alvorada sentaram-se apenas o marqueteiro João Santana, o ex-ministro Franklin Martins e o presidente nacional do PT, Rui Falcão, ladeados pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o chefe de gabinete da Presidência, Giles Azevedo, e o deputado Edinho Silva, responsável pela legenda em São Paulo.

Para a foto, Dilma deixou a cabeceira da mesa e abrigou-se entre Franklin e Rui Falcão, procurando desfazer a impressão de qualquer mal-estar com ambos. Ao afagar o presidente do PT, ela legitimou suas críticas aos setores fisiológicos do PMDB comandados pelo líder na Câmara Eduardo Cunha (RJ). O deputado tornou-se o principal porta-voz das queixas da legenda, não só no âmbito da reforma ministerial como na montagem dos palanques estaduais. Na semana do Carnaval, ele atacou Rui Falcão e defendeu o fim da aliança. À ISTOÉ, Cunha reclamou mais uma vez da “falta de respeito” com que o governo trata seu principal aliado. “Respeito é tudo que não se tem nessa relação. Não podemos ser tratados como subalternos”, diz.

A relação estremeceu logo que o PMDB na Câmara foi avisado de que perderia espaço na reforma ministerial, no caso a pasta da Agricultura ou de Turismo. Como reação, Cunha convenceu a bancada a adotar posição independente nas próximas votações de interesse do governo e avisou que não indicará mais nenhum nome para qualquer órgão federal. Além disso, Cunha organizou a formação de um “blocão” com outros aliados também insatisfeitos com o PT. Ele promete carregar consigo o PSC e integrantes do PROS, do PP, PR, PDT e PTB.

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DEMAIS PARA ELE
Dilma resistiu à indicação do senador Vital do Rego para o Ministério da Integração,
alegando que a pasta seria "grande demais para o Vitalzinho"

No Senado, a situação sempre foi mais favorável ao governo, mas também há sinais de degradação. Dilma resistiu duramente à indicação do senador Vital do Rego para o Ministério da Integração, alegando que a pasta seria “grande demais para o Vitalzinho”. Como alternativa, a presidenta sugeriu convidar o líder da legenda no Senado, Eunício Oliveira – e Vital ficaria com o Turismo. A cúpula do partido interpretou o convite como uma estratégia para retirar Eunício da disputa pelo governo do Ceará a fim de abrir caminho para um candidato dos irmãos Cid e Ciro Gomes. Ocorre que Eunício é líder absoluto nas pesquisas de intenção de voto. Na quinta-feira 6, a CNT/Vox Populi disse que ele venceria o pleito com 57% dos votos, contra 9% do ex-ministro dos Portos Leônidas Cristino. “A lógica eleitoral do PT no Ceará contradiz o bom senso e a história de fidelidade que tenho com o ex-presidente Lula”, pondera Eunício. “Todo casamento chega a um ponto em que se precisa discutir a relação. O que falta é ter um pouco mais de diálogo. Colocar mais lenha na fogueira não vai diminuir as chamas”, concorda o presidente nacional do PMDB, Valdir Raupp (RO). Os problemas na formação de palanques se repetem no Rio e na Bahia, mas cada lugar tem uma situação diferente. No Rio, o PT prepara a candidatura de Lindbergh Farias, que tem boas chances de voto, desembarcando da campanha do PMDB, que tenta eleger o vice-governador Luiz Fernando Pezão. Em retaliação, os peemedebistas ameaçam apoiar o tucano Aécio Neves (MG) para a Presidência. Na Bahia, o PMDB insiste na candidatura de Geddel Vieira Lima, em oposição ao candidato do governador Jaques Wagner, Rui Costa, como cabeça de chapa. No Rio Grande do Sul, Tarso Genro também enfrenta oposição dura do partido de Michel Temer.

Até agora como “algodão entre cristais”, o vice-presidente da República, Michel Temer, confessou a um cacique do partido que não “aguenta mais” a falta de interlocução com o Planalto e se dispõe a entregar o cargo, se essa for a vontade da maioria. Para apressar uma decisão, a cúpula do partido pensa em convocar para abril uma pré-convenção que servirá para definir o rumo da legenda a partir de junho, quando ocorrem as convenções oficiais. Nas contas de Cunha, a tese do rompimento já tem mais de 50% dos votos da convenção.

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Todo esse jogo de cena, obviamente, faz parte da política e está no DNA do PMDB. Desde o início do atual governo, o partido reclama que não foi atendido como deveria. A falta de apetite de Dilma para negociações pesadas no Congresso apenas engrossou o caldo que agora ameaça entornar, ainda que seja possível imaginar uma trégua a qualquer momento – caso um casamento de conveniência se mostre mais proveitoso do que um divórcio litigioso. O próprio Lula é favorável a concessões, mas a tradicional estratégia sindicalista recomenda bater forte para negociar em condições favoráveis. “Ninguém gosta de agir com a faca no pescoço, nem Lula e muito menos Dilma”, pondera um assessor palaciano. Não é recomendável, portanto, crer que o governo não poderá ceder às demandas do PMDB. Como também é preciso cautela ao tomar como verdadeiras as ameaças públicas do líder na Câmara Eduardo Cunha. Embora o clima de irritação tenha se alastrado pela Câmara e chegado ao Senado, nenhum outro cacique se arriscou até agora a corroborar publicamente as declarações de Cunha. Resume a questão um velho senador peemedebista. “O preço político de Cunha é mais alto que o do resto do PMDB.”

Com reportagem de Josie Jerônimo e Izabelle Torres