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Fátima Toledo  explica como treinou a Família Schurmann. 

Stênio Garcia já era um ator veterano, com mais de 30 anos de carreira, quando foi convidado por Hector Babenco a participar do filme “Brincando nos Campos do Senhor”. Mesmo assim, foi submetido a um treinamento atípico, que consistia em ficar o dia inteiro de olhos fechados – e em pé. Essa espécie de tortura era um dos exercícios propostos pela preparadora de elenco Fátima Toledo, a requisitada profissional alagoana famosa pelos métodos pouco ortodoxos na composição de personagens. Em “Cidade Baixa”, ela deixou Wagner Moura tão irritado após a repetição de um exercício (dançar uma valsa, parar e provocar um colega) que, ao final, ele socou seu parceiro Lázaro Ramos e o levou a nocaute. Muitos atores agradecem por ela tê-los ajudado a chegar à alma dos seus papéis. Outros nem tanto, caso de Marat Descartes: ele se recusou a seguir suas orientações em “2 Coelhos”.

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OUSADA
Fátima Toledo acredita que o ator deve correr riscos

O que coloca Fátima entre esses dois extremos é a sua radicalidade. Ela impede que o ator busque tranquilidade nos estereótipos, o obriga a buscar caminhos mais difíceis, como conta o historiador Maurício Cardoso no livro “Interpretar a Vida, Viver o Cinema” (LiberArs). Segundo Cardoso, foi Babenco quem a descobriu ao procurar meninos para atuar em “Pixote” – Fátima dava aula de teatro para menores infratores na antiga Febem. Sua fama foi longe: a capacidade de preparar não atores chegou a ser reconhecida pelo astro Sean Connery, com quem trabalhou em “Medicine Man”. Essa habilidade pode ser comprovada na atuação dos adolescentes de “Cidade de Deus” e do estreante Vinícius de Oliveira em “Central do Brasil”. São tantos sucessos no portfólio que a atriz Marília Pêra, cujo encontro com a preparadora se deu justamente em “Pixote”, não economiza elogios: “Quando vejo um filme brasileiro e percebo grandes interpretações, tocantes emoções e respeito a pausas que são semelhantes às dos seres humanos, sei que ali há um trabalho de Fátima”.

Apesar de ter um sistema, a treinadora de elencos não chega ao set com uma receita pronta. “Nunca entro racionalmente num projeto”, diz ela. “Durante os ensaios, interrompo no meio e digo, enérgica, que está uma droga, questiono o ator, provoco sua ira e exijo a retomada da cena com mais vigor”, afirma Fátima. Mas ela não participa mais de filmagens e explica que tomou essa decisão depois de um incidente nas gravações de “Boleiros”, do cineasta Ugo Giorgetti. “Ele me viu e perguntou: o que você está fazendo aqui? Agora sou eu que vou falar com os atores.” 

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A preparadora confessa que ficou ofendida, achando que a sua presença incomodava. “Fiquei indignada. Depois, esfriei a cabeça e compreendi que realmente não era meu lugar e ele havia tomado uma decisão correta. Ugo queria construir uma relação direta com os atores.”

Outro entrevero deu-se com Bruno Barreto. O diretor justificou que ela queria fazer o seu trabalho em “Última Parada 174”. Do lado dos fãs, Wagner Moura não se incomoda com essa fama de centralizadora: “Sempre achei que o trabalho do ator fosse o de construir máscaras. Ela me ensinou que o negócio é deixá-las cair”. Fernando Meirelles a chama de bruxa. “No bom sentido”, afirma.

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"Chamávamos a Fátima de bruxa.
No bom sentido. Ela é mesmo"

Fernando Meirelles, cineasta

Foto: Leonardo Aversa/Ag. O Globo; Divulgação; Gustavo Pellizzon/Ag. O Globo


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