As mulheres brasileiras estão prestes a ganhar um recurso de peso na tarefa de proteger a saúde. Uma das mais importantes descobertas recentes da ciência mundial, a vacina Gardasil, primeira do mundo capaz de proteger contra a infecção pelo HPV, o vírus causador do câncer de colo de útero e de lesões na pele e na mucosa, chegará ao mercado brasileiro até o final do ano. Criado pelo laboratório Merck Sharp & Dohme, o produto foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e aguarda a definição do preço para finalmente desembarcar nas clínicas. A criação da vacina mereceu aplausos da comunidade científica. O entusiasmo é justificado. O tumor de colo de útero é um dos grandes problemas de saúde pública no mundo. É o segundo mais comum entre as mulheres, perdendo somente para o câncer de mama. Por ano, são registrados aproximadamente 471 mil casos novos e cerca de 240 mil vítimas fatais. No Brasil, calcula-se que até o fim de 2006 terão surgido 19,2 mil novos casos.

A vacina contém partículas sintéticas do vírus que não causam a doença, mas estimulam o organismo a produzir anticorpos. Por aqui, a vacina recebeu indicação para ser ministrada em meninas e mulheres de nove a 26 anos. A meta agora é calcular o real impacto a ser produzido pelo medicamento na diminuição das tristes estatísticas promovidas pela doença. Isso porque, infelizmente, a vacina não imuniza contra todos os tipos de HPV responsáveis pelo tumor. Na verdade, existem mais de 200 subtipos diferentes, mas apenas alguns apresentam potencial cancerígeno. A Gardasil atua especificamente sobre quatro tipos: o 6 e o 11, presentes em 90% dos casos de verrugas genitais, e o 16 e 18, considerados de alto risco para câncer de colo de útero e registrados em 70% dos casos. Nos estudos realizados até agora, envolvendo 20,5 mil mulheres de 33 países, inclusive o Brasil, o produto mostrou ótimo desempenho. Para se ter uma idéia, foi verificada eficácia de 100% na prevenção de tumores associados aos tipos 16 e 18 em mulheres que não haviam sido expostas a esses vírus.

Por isso, não há dúvida: a descoberta garante, de fato, uma grande proteção. No entanto, ela não é total. “A vacina não deve dar às meninas uma sensação de estarem completamente protegidas porque ela age contra alguns tipos do HPV”, afirma o médico José Aristodemo Pinotti, professor de ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “Por isso, ela não exclui de maneira alguma a necessidade da adoção de cuidados básicos de prevenção”, esclarece o cirurgião oncológico Ronaldo Costa, diretor do Departamento de Ginecologia do Hospital do Câncer e do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer, ambos em São Paulo, e coordenador de um dos estudos clínicos feitos no País.

As principais maneiras de se prevenir são o uso de camisinha (a transmissão
dos HPVs genitais é por contato sexual) e a realização anual do exame preventivo conhecido como Papanicolaou. Porém, de acordo com as estatísticas, quatro
em cada dez brasileiras adultas jamais foram submetidas a esse teste. E
muitas, quando o fazem, não seguem a orientação de repeti-lo todos os anos,
como é o recomendado.

Além disso, outras questões poderão diminuir o impacto da vacina. Uma delas é o preço. E, conseqüentemente, a viabilidade de sua implantação na rede pública de saúde em países carentes de recursos como o Brasil. São necessárias três doses para a imunização. Nos Estados Unidos, cada uma custa US$ 120 (R$ 267). Este custo um tanto elevado contribuiu para levar o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e o Ministério da Saúde a iniciar um estudo para saber precisamente como a vacina poderá ser oferecida à população com benefício efetivo para quem de fato necessita.

Uma das providências tomadas foi o levantamento mais preciso dos tipos de HPV incidentes entre as brasileiras. “O 16 e o 18 devem ser majoritários em nossa população, mas falta um mapeamento completo”, explica Gulnar Azevedo, coordenadora de Prevenção e Vigilância Epidemiológica do Inca. O cuidado se justifica. De nada adiantaria tornar o medicamento disponível em uma região na qual os vírus atuantes na maioria dos casos não sejam alvos da vacina. Há mais um aspecto preocupante: o risco de ocorrer a falsa sensação de proteção contra outros tipos de doenças. Isso poderia fazer as mulheres se exporem a outros vírus, fungos e bactérias perigosos. “Todos devem ter em mente: a vacina não imuniza a pessoa contra a Aids, as doenças sexualmente transmissíveis e muito menos a gravidez”, afirma Pinotti. Apesar das ponderações, a chegada da vacina é um grande avanço. E em breve as mulheres terão à disposição outra alternativa. Uma vacina contra os tipos 16, 18, 45 e 31, os dois últimos também com potencial cancerígeno, está em fase final de desenvolvimento pelo laboratório GlaxoSmithKline. Mais do que nunca, a ordem, entre os cientistas, é manter o combate.