Em couro estofado preto, espaldar alto e instalada pouco atrás do centro da mesa no alto do plenário, a cadeira de presidente da Câmara dos Deputados é a peça mais disputada da temporada em Brasília. O período pós-operatório do vice-presidente José Alencar, que na terça-feira 14, nos Estados Unidos, teve um tumor retirado com sucesso da região do abdome, deverá exigir dele novos pedidos de licença do cargo. Nesses momentos, o dono da poltrona preta será o segundo homem mais importante da República, na linha direta da sucessão do presidente Lula. Se muitos já a queriam, agora a disputa se acirra. A lista de candidatos inclui o baiano Geddel Vieira Lima e o cearense Eunício Oliveira, ambos do PMDB, dono da maior bancada. No PT, o líder Arlindo Chinaglia está lançado. Mas é com o atual presidente Aldo Rebelo, do PCdoB, que estão as maiores chances de arrebatar o cargo para o biênio 2007-2008.

“No que depender de mim, fica o Aldo”, disse Lula ao deputado Inocêncio Oliveira, do PL, que duas semanas atrás esteve no Palácio do Planalto para sondar a posição do presidente. O mesmo recado foi transmitido por Lula ao líder do PTB na Câmara, José Múcio. “Gostaria de manter o Aldo no comando.” Finalmente, o presidente expôs sua preferência ao deputado Jader Barbalho, do PMDB. Depois de ouvir, Jader reuniu a bancada do partido e realizou uma jogada com duplo sentido. “O presidente tem candidato”, iniciou. “Se nós não formos capazes de nos unir em torno de uma única indicação, acho melhor a gente não tentar.” Ele visou os postulantes Geddel e Eunício, deixando o aviso de que essa divisão poderá levar a eleição da Câmara para o imponderável. Foi uma disputa descontrolada que possibilitou a vitória de Severino Cavalcanti (PP-PE), dois anos atrás. Na ocasião, para evitar uma nova disputa descontrolada acabou se construindo o caminho que levou à vitória de Aldo Rebelo. Um nome praticamente neutro, ligado a um partido muito pequeno, sua reeleição agora não representaria o crescimento de nenhuma força política no Congresso. PSDB e PFL gostam da idéia. Lula mais ainda. De olho na matemática que favorece Aldo, Jader manobra para o PMDB entender que o melhor para o partido é embarcar desde já na canoa da reeleição do deputado do PCdoB, a tempo de negociar posições na mesa.

Também entrou na disputa, para profunda irritação de Lula, o PT. O nome do partido para o cargo é o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (SP). A avaliação de Lula é que o PT, quando esteve no comando da Câmara com o deputado João
Paulo Cunha, se aproximou demais do baixo clero e de seus métodos fisiológicos. Foi ali que essa turma começou a ter mais vez nas decisões da Câmara. Isso gerou as denúncias do mensalão. E permitiu ao baixo clero ascender à cúpula da Câmara, a ponto de conseguir disputar – e vencer – a Presidência da Câmara com Severino. Além disso, Lula quer poder jogar com o cargo de comando da Câmara nas negociações com o PMDB. Neste caso, se o partido abrir mão da disputa pela cadeira de Aldo, poderá ganhar uma compensação no Executivo. Lula acredita que Aldo conduzirá as votações de interesse do governo de maneira mais isenta. Além disso, ele não tem dúvidas de que, num momento de eventual crise institucional, Aldo atuará sempre como bombeiro e nunca como incendiário.

Os petistas desconfiam que o plano de futuro de Lula não seja exatamente o plano de futuro do PT. Com influência do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, a cúpula paulista do partido coordenou dois movimentos para mostrar independência em relação ao presidente. Na sexta-feira 10, a bancada da Câmara reuniu-se para dizer que não abriria mão do direito de disputar o cargo. No início da semana passada, a bancada do Senado exigiu de volta o cargo de líder do governo, entregue por Lula ao peemedebista Romero Jucá (RR). “Tudo o que acontece o presidente joga a responsabilidade no PT. Ele nunca sabe de nada e nós é que somos os aloprados”, reclama um deputado petista.

No PMDB, os movimentos mais explícitos têm sido feitos por Eunício, que tem se reunido com deputados nas últimas semanas colocando a sua postulação. O problema de Eunício é que os deputados reclamam que ele, quando era ministro das Comunicações, não atendia da forma como gostariam os seus pleitos. Geddel tem sido mais discreto e aguarda uma conformação mais clara do quadro. A bancada articula reuniões para fortalecer a própria posição. É o jogo de pressões que vai ganhando corpo até a definição marcada para 1º de fevereiro.