A Suíça não quer receber mais imigrantes. Esse foi o recado de um referendo realizado na semana passada e que determinou cotas para a quantidade de estrangeiros aptos a morar e trabalhar no país. A margem a favor das restrições foi pequena – o “sim” venceu por 50,3% –, mas as consequências da votação proposta por uma legenda de extrema direita, o Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), não se restringirão ao território do tamanho do Estado do Rio de Janeiro e com cerca de oito milhões de habitantes, um quarto deles estrangeiros. O potencial explosivo da decisão do referendo levou os diplomatas da União Europeia a rever os laços com a Suíça e temer surtos nacionalistas dentro de suas próprias fronteiras. Embora a Suíça não faça parte do bloco europeu desde 1999, o país assinou uma centena de acordos bilaterais, que incluem a livre circulação de cidadãos.

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CAMPANHA
NA esquerda, estrangeiras passam por cartaz contra a
"imigração massiva". Ao lado, suíços protestam a favor dos
imigrantes. Na faixa, lê-se: "Refugiados, sejam bem-vindos"

A retórica anti-imigrantes é a plataforma populista dos partidos da direita europeia há pelo menos 20 anos e tem ganhado força com a crise econômica que afeta a Europa. Na Inglaterra e na Alemanha, que abriram as fronteiras para trabalhadores da Bulgária e da Romênia em janeiro, o governo tem discutido propostas para limitar o número de cidadãos vindos desses países, que fazem parte da União Europeia desde 2007. Na França, a candidata nacionalista Marine Le Pen ficou em terceiro lugar nas eleições presidenciais de 2012 com votação recorde. Na Suíça, o governo era contrário à iniciativa. No site do Ministério das Relações Exteriores, um texto diz que “a economia suíça não funcionaria sem os estrangeiros”. Para Damir Skenderovic, professor de história contemporânea da Universidade de Friburgo, a decisão do referendo simboliza um retrocesso. “Ela é prejudicial à Suíça porque transmite a ideia de que o país não precisa da Europa.”

Endereço de muitas empresas multinacionais, a Suíça tem alto percentual de estrangeiros qualificados que atuam na indústria farmacêutica, química e financeira. Os novos controles à imigração podem reduzir a atratividade de investimentos para essas companhias, além de frear o crescimento econômico e prejudicar o comércio bilateral. “As universidades também têm muito a perder em termos de pesquisa e serão prejudicadas nos rankings de educação superior, que valorizam a internacionalização”, disse à ISTOÉ Yves Flückiger, vice-reitor da Universidade de Genebra, uma das 200 melhores do mundo. Uma foto da seleção de futebol suíça sem imigrantes circulou pelas redes sociais na semana passada sugerindo que, sem eles, o país não se classificaria para a Copa do Mundo. Xherdan Shaqiri, estrela ascendente do time, nasceu no Kosovo e se mudou para a Suíça na leva de refugiados da guerra nos anos 1990.

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ÍDOLO
Xherdan Shaqiri, estrela da seleção de futebol suíça, nasceu no Kosovo.
Sem ele e os demais imigrantes, o time não se classificaria para a Copa do Mundo

De acordo com o mapa de votação, as regiões mais conservadoras e contrárias à integração são as rurais, onde há menos imigrantes. Isso mostra que a decisão talvez tenha mais a ver com um sentimento de identidade nacional e soberania do que com crise econômica num país onde o índice de desemprego, de 3,5%, é bem menor do que a média da zona do euro, de 12%. Para Rosita Fibbi, professora de ciências sociais da Universidade de Lausanne, esse voto tem importante componente ideológico. “Mesmo que os argumentos a favor do sim fossem a pressão sobre o mercado de trabalho e o mercado imobiliário, as grandes cidades onde essas pressões podem acontecer, como Genebra e Zurique, rejeitaram as cotas”, diz Alexandre Afonso, suíço de origem portuguesa e professor de política econômica do King’s College, de Londres. Em Zurique, até houve protestos contra o resultado do pleito. Se esse sentimento anti-imigração ecoar pela Europa, o que deverá ser observado nas eleições para o Parlamento Europeu, o sonho de um mercado sem fronteiras para bens, serviços e pessoas terá data para acabar. A expectativa é de que em maio os nacionalistas conquistem um terço das cadeiras da instituição.

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Fotos: STEFFEN SCHMIDT/EFE/EPA; Anja Niedringhaus/AP Photo; Action Press/Keystone Brasil 


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