Um presidente popular pode tudo? Lula, aparentemente, pode. Com aprovação recorde e uma economia que jamais esteve tão sólida, ele pode até oferecer uma lei aos amigos, sem que ninguém mais se escandalize. E se essa mesma lei vier a beneficiar a empresa que transformou seu filho num milionário, pouco importa. Afinal, o Brasil é investment grade, nunca se venderam tantos automóveis e a maioria da população já deseja um terceiro mandato. Daqui a alguns anos, quando os historiadores estiverem escrevendo sobre o legado da era Lula, é possível que estejam discutindo apenas se o atual presidente foi maior do que Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek. O mensalão será um capítulo menor. E o caso Oi/Brasil Telecom talvez vire uma nota de rodapé. Nada mais que isso.

Esse episódio pode parecer irrelevante, mas merece, ao menos, uma abordagem sociológica. Isso porque, já na chegada ao poder, em janeiro de 2003, os próceres do PT não escondiam de ninguém que iriam reescrever a história das privatizações – em especial das telecomunicações. Como elas foram feitas com dinheiro público, do BNDES e dos fundos de pensão estatais, os trabalhadores deveriam retomar o controle sobre seu capital. E foi isso que deu origem à guerra da telefonia. Numa primeira etapa, com auxílio da Polícia Federal, tomou-se a Brasil Telecom. Depois, seria a vez da Telemar, rebatizada como Oi. E quando a antiga Telebrás estivesse enfim reconstruída, mas sob o comando dos fundos, o PT teria em mãos uma fonte permanente de financiamento político. Era esse o projeto.

Na guerra da telefonia, Lula podia optar entre seus financiadores e o PT. Ficou com os primeiros

Em algum momento, porém, o presidente Lula decidiu alterar a rota dos acontecimentos. Em vez de seguir o plano traçado pelo PT, ele optou por favorecer seus doadores de campanha, que, por acaso, também patrocinam a Gamecorp, a empresa do seu filho. Dias atrás, a história entrou no penúltimo capítulo, quando o BNDES ajudou os grupos Andrade Gutierrez e La Fonte a consolidar o controle da Oi. Num passo seguinte, com mais dinheiro público, eles comprarão a Brasil Telecom. Falta só mudar a lei, o que não parece ser problema.

A Oi aposta que o presidente fará isso dentro de 90 dias.

Mas há um enigma na história. Por que Lula decidiu compor com seus financiadores, e não com seu partido? A resposta é simples. A plutocracia é bem mais dócil. Ela sabe que Lula pode tudo. Pode oferecer toda a riqueza do mundo, como também pode retirá-la. E os petistas que acreditaram no roteiro inicial dessa longa guerra telefônica terão que se contentar com um papel inglório: o de marido traído da história.