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DESTINO
Camus, morto há 50 anos
 

Uma inscrição na entrada do Panthéon de Paris reflete o simbolismo da imponente construção dmuitao século XVIII: “Para os grandes homens, o reconhecimento da pátria”. O traslado dos restos mortais do escritor Albert Camus para o monumento, no entanto, está provocando controvérsia na França, além de críticas ao presidente Nicolas Sarkozy. Os próprios filhos do escritor, os gêmeos Jean e Catherine, estão divididos. Sob o argumento de que a homenagem vai de encontro ao estilo de vida austero de Camus, Jean acredita que o melhor é manter o pai enterrado na cidade de Lourmarin, no sul da França, para onde ele havia se mudado dois anos antes de morrer. Catherine, que acaba de publicar o livro “Camus, Mon Père” (Camus, meu pai), está oscilante. Por um lado, lembra que o pai não gostava de receber honrarias, embora tenha aceitado de bom grado o Prêmio Nobel de Literatura de 1957. De outro, vê na iniciativa uma forma de valorizar “aqueles que não tinham voz” e que Camus tentou representar. O projeto de colocar os restos mortais de Camus junto com outros heróis da França é do presidente Sarkozy, como forma de marcar os 50 anos do desaparecimento do autor de “O Estrangeiro”, “A Peste” e “O Homem Revoltado”. Camus morreu aos 46 anos, em janeiro de 1960, em um acidente de carro que também vitimou o editor Michel Gallimard. Caso seus restos mortais sejam trasladados ao Panthéon, será a primeira iniciativa do gênero orquestrada por Sarkozy. Ele começou a acalentar a ideia no final de 2007, depois de um encontro com Catherine, quando se completaram 50 anos do Nobel recebido pelo escritor. O antecessor de Sarkozy, Jacques Chirac, presidente da França entre 1995 e 2007, promoveu o traslado do escritor e ex-ministro de Cultura André Malraux em 1996 e, seis anos depois, do romancista Alexandre Dumas.

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O atual presidente, porém, está sendo acusado de tentar apropriar-se politicamente do legado de Camus. “Muitas pessoas querem recuperar sua imagem como se ele fosse de direita”, critica o biógrafo do escritor Olivier Todd, acrescentando que Camus não precisa do aval do atual presidente francês. “Mas penso que Sarkozy tem grande necessidade de algum brilho intelectual.” Catherine, por sua vez, garante que a possível associação do nome de seu pai ao de Sarkozy é o que menos pesa em suas reflexões sobre permitir ou não a homenagem. “O problema, para mim, não é político. Eu não me lembro, por exemplo, qual presidente transladou os restos de outros escritores”, costuma argumentar a filha de Camus. Nascido em Mondovi, na Argélia, Camus perdeu o pai quando ainda era bebê e foi criado pela mãe, que lavava roupas para fora e trabalhava como faxineira. A origem humilde e a saúde frágil não impediram que ele se tornasse um dos expoentes da literatura da França, para onde se mudou aos 26 anos, um ano antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial. Durante a ocupação nazista, alinhouse à resistência, escrevendo editoriais para o jornal clandestino “Combat”, que mais tarde foram reunidos na coletânea “Atuais”. Dono de grande sensibilidade social, jamais perdeu o vínculo com a terra natal, deixando entrever em sua obra tanto a miséria do povo quanto a luminosidade do sol da Argélia. Embora na maturidade tenha se mostrado avesso à política institucional, chegou a integrar os quadros do Partido Comunista na juventude. Na maior parte de sua trajetória, o escritor preferiu seguir suas convicções individualistas. No romance “O Estrangeiro”, ele chegou a proclamar o absurdo do destino do homem. Parecia antever o que o futuro lhe reservava.


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