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Assista ao trailer do filme ‘Trapaça’

"More, more, more” (mais, mais, mais) era o refrão de um grande sucesso das pistas nos anos 1970. Essa foi também a frase mais ouvida no set de filmagens de “Trapaça”, que estreia na sexta-feira 7 com o aval de dez indicações ao Oscar. Conhecido por exigir sempre “mais” de sua equipe, dessa vez o diretor americano David O. Russell faz jus ao muito pedido a figurinistas e maquiadores. A história de seu novo filme se passa na Nova York da disco music e dos embalos de sábado à noite, apenas uma ponta do excesso generalizado que acontecia em todas as esferas da vida. O exagero estava nos cabelos cacheados das mulheres, nas costeletas e nas golas das camisas mostrando o peito, no brilho dos lábios, no contorno dos olhos, nos vestidos acetinados e nos decotes que desnudavam igualmente colos e costas. “Era uma época marcada pela desmesura na maneira de se vestir e de viver. Ninguém estava nem aí”, diz Michael Wilkinson, que assina o figurino do filme. De fato, o desmedido estava também no sexo desenfreado e no hedonismo que rompeu os limites da moral e da ética. Só mesmo nesse ambiente de cinismo e liberação vicejariam seres impulsivos como Irving Rosenfeld (Christian Bale), Richie DiMasio (Bradley Cooper), Sidney Prosser (Amy Adams) e Rosalyn Rosenfeld (Jennifer Lawrence), os protagonistas de “Trapaça”. Vigaristas cada um à sua maneira, eles se movimentam num mundo de falcatruas, subornos, delações premiadas e muitas, muitas maletas de dólar.

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VIGARISTAS
Bradley Cooper e Christian Bale (acima) e Jennifer Lawrence
com Amy Adams (abaixo): "quadrilátero"amoroso e muita enganação

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Na lista negra dos estúdios há bom tempo, o projeto apelidado de “American Bullshit” (embromação americana) centra-se na vida acidentada de Rosenfeld, casado com uma perua de Long Island mais preocupada com bronzeamento artificial que com a segurança de seu filho. Envolvido em golpes que incluem agiotagem e a venda de telas falsas, ele se junta à ex-stripper Sidney, que se apresenta como uma herdeira inglesa bem relacionada. Após ser pega pelo playboy e agente do FBI DiMasio, que arquiteta prisões de políticos e mafiosos com o mesmo cuidado com que aplica bobes nos cabelos, a dupla é obrigada a colaborar numa operação de aliciamento comandada por um falso sheik árabe.

Parece comédia, mas é pura verdade. Os EUA viviam o auge da crise do petróleo e a inflação galopante criou no governo uma disposição em varrer a área após o escândalo de Watergate. A inspiração para o enredo foi a chamada Operação Abscam, quando um senador e seis congressistas foram condenados após caírem na isca da fictícia Abdul Enterprises. Por meio dela, foi oferecida uma fortuna para políticos e mafiosos interessados em dar vida nova à cidade-cassino Atlantic City em troca de uma suposta cidadania americana para o sheik. Modelo para o personagem do golpista, Melvin Weinberg vendeu a sua história por US$ 250 mil. Uma ninharia perto de outros gastos da produção de US$ 40 milhões. Pesou na conta, obviamente, a fabulosa trilha sonora com os maiores sucessos dos anos 1970 – “How Can You Mend a Broken Heart”, dos Bee Gees, “I Feel Love”, de Donna Summer, e “The Jean Genie”, de David Bowie, embalam grandes cenas. Para se ter uma ideia, no filme anterior de Russell, “O Lado Bom da Vida”, foi desembolsado quase US$ 1 milhão pelo uso da canção “What Is and What Should Never Be”, do Led Zeppelin.

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Lançar mão de músicas que marcaram época não é apenas uma forma de envolver o espectador. É também uma maneira eficiente de se evocar um período histórico, no caso os anos 1970, “uma época em que se podia tudo”, nas palavras do diretor de arte Tulé Peake, que a recriou em “Cidade de Deus” e em outros filmes recentes. Em “Trapaça”, guarda-roupa, móveis e carros foram garimpados numa pesquisa que enche os olhos. Meticuloso, Russell quis que o cadilac de Rosenfeld fosse de um azul que combinasse com a cor dos olhos de Amy Adams.

A GM não tinha algo parecido e um modelo de colecionador foi pintado no tom desejado. Segundo Peake, essa obsessão pela década de 1970 que alimenta a nostagia atual deve-se ao fato de diretores como David O. Russell ou Steven Soderbergh, de “Behind The Candelabra”, terem vivido sua juventude nela. “Foi quando eles se formaram”, diz. É também uma forma de levar o espectador de sua geração aos cinemas, hoje frequentado em sua maioria por adolescentes.

Fotos: Divulgação