A onda de incertezas que paira sobre a Argentina há pelo menos dois anos ganhou nos últimos dias força redobrada. Na área econômica, a presidenta Cristina Kirchner tem enfrentado um rosário de indicadores negativos. O peso, moeda local, desvalorizou mais de 20% em janeiro, enquanto os preços de alguns itens de consumo avançaram a ponto de assustar a população (no caso dos eletrônicos, 30% em uma única semana). Na política, Cristina coleciona insucessos. Afastou-se de antigos aliados e, isolada, passou a enfrentar uma oposição cada vez mais feroz. O resultado é um governo desgastado, visivelmente sem rumo e imóvel a ponto de nem sequer reconhecer seus problemas. “Há um mal-estar generalizado entre a população”, disse à ISTOÉ Patrício Giusto, diretor da consultoria Diagnóstico Político, de Buenos Aires.

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CRISE
Cristina Kirchner e o dólar: em uma semana, ela aumenta
as restrições à moeda estrangeira; em outra, flexibiliza

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Construído sobre o aumento da exportação de commodities agrícolas e acompanhado da expansão dos gastos públicos, o modelo kirchnerista está na berlinda. A inflação próxima a 30%, segundo economistas independentes, e a queda das reservas cambiais (agora abaixo de US$ 30 bilhões, nem um décimo das brasileiras) mostram que o agravamento da crise pode ter severas consequências. A começar pela popularidade de Cristina. Seu índice de aprovação, que em outubro era de 44,4%, agora está em 27,4%. Para especialistas, a questão mais urgente é o impacto da desvalorização do peso na inflação. O governo anunciou na quarta-feira 29 que seu acordo de congelamento de preços com os principais atacadistas será ampliado na próxima semana e avisou que aumentos acima dos custos serão punidos com multas e até com o fechamento dos estabelecimentos. Jorge Capitanich, chefe do gabinete da Presidência, afirmou que a “atitude antipatriótica” desses empresários o envergonha. “Quando o dólar sobe, é ação de especuladores. Quando a inflação cresce, a culpa é dos comerciantes”, diz o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. “Mas nada é feito em termos de política econômica para lidar com a crise.”

Quarto ministro da Economia da Argentina dos últimos cinco anos, Axel Kicillof, 42 anos, promete conduzir o país para o fim da crise. Está nas mãos dele o desfecho da negociação salarial (alguns sindicatos pedem reajuste de 40%) a partir de março. Mentor da nacionalização da petroleira YPF em 2012 – medida que assombrou os mercados e que foi criticada por governos de diversos países –, o economista de formação marxista assumiu a pasta em novembro e já se tornou o ministro mais poderoso do governo. Na semana passada, ganhou um perfil no jornal americano “The New York Times”, que o classificou como “impulsivo” – defeito também bastante associado ao estilo Cristina de governar.

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A avalanche de notícias ruins que vem da Argentina provocou dúvidas sobre os riscos de contágio para países vizinhos, como o Brasil. Terceiro maior destino das exportações brasileiras, a Argentina é um mercado importante para a indústria automotiva do País. No ano passado, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, os argentinos gastaram US$ 4,7 bilhões na compra de carros brasileiros. Uma crise aguda por lá pode reduzir o número de unidades enviadas ao país vizinho. Trata-se de um duro golpe, mas que afeta basicamente um único setor. Os fundamentos da economia brasileira (reservas cambiais elevadas, inflação sob controle e índice baixo de desemprego, para citar apenas alguns exemplos) são suficientemente sólidos para afastar os riscos de uma contaminação. Cristina tem errado muito, mas está longe de provocar estragos além de seu próprio território. 

Fotos: AP Photo/Victor R. Caivano; AP Photo/Eduardo Di Baia