Era para ser a celebração do esporte em baixíssimas temperaturas. Mas a Olimpíada de Inverno de Sochi, na Rússia, que começa na quinta-feira 6, coloca o país diante de uma verdadeira prova de fogo: evitar que duas grandes tragédias marquem o evento. De um lado, há a possibilidade de um ataque terrorista, uma vez que a região de Sochi, próxima a uma das áreas de maior turbulência política de todo o território, é um verdadeiro barril de pólvora devido à atuação dos rebeldes da Chechênia. De outro, a nova estação de inverno Rosa Khutor, construída para a competição, é uma área propensa a avalanches. Caso ocorra algum dos piores cenários, saem perdendo o governo de Vladimir Putin e a imagem do país que sediará a Copa do Mundo de 2018, além de minar a chance de a Rússia se firmar como candidata à Olimpíada de 2024. Não bastasse isso, a tensão com os Estados Unidos, que exigem informações de segurança que a Rússia se nega a passar, esquenta ainda mais os ânimos a poucos dias do início dos Jogos.

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ESCOLTA
Policiais russos em frente ao Parque Olímpico de Sochi, na Rússia

A tensão na região do norte do Cáucaso, muito próxima a Sochi, é histórica. Isso porque ali vivem povos que, mesmo estando em território russo, se consideram de outras nacionalidades, dando origem a grupos separatistas. “Há uma eternização de diferenças étnicas”, afirma o professor de história da Universidade de São Paulo (USP) Angelo Segrillo, especialista em Rússia e autor de livros como “O Fim da URSS e a Nova Rússia”. “No caso da Chechênia, trata-se de um território conquistado no século XIX pelo império russo. O conflito ficou cristalizado e os chechenos rebeldes exigem o estabelecimento de um Estado próprio”, diz Segrillo. Há quem desconfie que a própria escolha de Sochi tenha sido uma decisão política de Putin, para mostrar aos rebeldes quem tem o controle da região. ­Alguns extremistas consideraram a escolha uma provocação e já mandaram recados dizendo que vão, sim, cometer ataques durante os jogos – a exemplo da última tragédia em Volgogrado, na qual dois homens-bombas mataram mais de 34 pessoas (a cidade fica a cerca de 600 quilômetros de Sochi).

Na tentativa de se precaver, o governo russo diz ter armado um exército de 40 mil homens. Se isso for verdade, os jogos de inverno estarão no mesmo patamar das olimpíadas tradicionais – em Londres, em 2012, estima-se que as forças de segurança tinham entre 24 mil e 49 mil pessoas, mas o número de ingressos à venda era oito vezes maior do que em Sochi. Mesmo com todo esse aparato, o governo não conseguiu tranquilizar os americanos, que recentemente solicitaram informações para poder garantir o bem-estar de sua delegação. “Os russos se negam a passar dados confidenciais que podem ser usados contra eles”, afirma Segrillo. “A Rússia passou a ser mais assertiva em relação aos Estados Unidos a partir dos anos 2000, quando começou uma recuperação econômica.”

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ATENÇÃO
O presidente russo, Vladimir Putin, em visita ao RusSki Gorki Jumping Center

No plano técnico, as preocupações também existem. Quando foi eleita sede dos jogos de inverno, em 2007, Sochi tinha muito a fazer para se preparar. Uma das primeiras ações do governo foi mudar o projeto da estação Rosa Khutor. Antes previa-se uma área de esqui nada suntuosa, mas hoje lá está o maior local dedicado ao esporte em toda a Rússia, com 96 quilômetros de pistas. Segundo o jornal “The New York Times”, o orçamento da construção pulou de US$ 200 milhões para US$ 2 bilhões.

A área era virgem e peritos verificaram que o local reunia condições ideais para avalanches. Começou, então, um intenso trabalho para garantir a segurança da região. Há um ano, pilhas de neve estão sendo estocadas para serem usadas na pista. Uma empresa especializada foi contratada para analisar a situação da estação. Um dos pontos destacados foi o acúmulo de neve em penhascos expostos ao vento. Além disso, foi citada a possibilidade de haver avalanches nas áreas de esqui. Houve um pedido para que fossem instalados explosivos para conter deslizamentos (leia mais abaixo), mas o governo barrou, afirmando que não queria bombas na região – no local vivem rebeldes anti-Rússia. Por fim, foi liberado o uso de um explosivo específico. Apesar de especialistas concordarem que uma tragédia causada pela natureza ou por homens-bomba não vá acontecer tão facilmente, tanto o tempo quanto os extremistas costumam ser imprevisíveis.

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Foto: Alexei Nikolsky/ITAR-TASS/ZUMAPRESS.com