Somente quando veio se despedir de mim percebi que havia se transformado numa mulher. Sentada na poltrona do outro lado da minha mesa não estava mais a menina que contratei dois anos antes. Naquela época, ela queria ser jornalista de tevê. Um de nossos clientes na Touareg Conteúdo havia montado uma tevê corporativa. Agora, nossa ex-menina está partindo para um desafio novo na carreira. O sonho de aparecer na telinha foi substituído pela função de chefia em um dos grandes portais do País. Vai ter uma equipe sob sua responsabilidade. E contar, na internet, as histórias que todo jornalista deseja contar e ensinar outros meninos e meninas a fazer isso também – do jeito dela.

Um jeito ainda ligeiramente tímido, talvez. O rosto mostra mais a pureza dos 20 do que a malícia dos 30. A determinação e o medo do novo, além da coragem para enfrentá-lo, no entanto, já evidenciam a maturidade que se avizinha. Nossa menina não viveu numa bolha enquanto esteve conosco. Passou por desafios complexos. Teve que mudar. Mas teve tempo para o amadurecimento. Todo jornalista é um contador de histórias. E só sabe contar uma história aquele que consegue ouvi-la. Sem desejar ser personagem central dela, como os adolescentes. Sem torcer escandalosamente para um lado ou outro do conflito, como os donos da verdade. Afinal, toda história é um conflito, não é? Ser jornalista é apenas ouvir e contar o que ouviu. Parece óbvio, mas é cada vez mais raro.

Não há dúvida de que há uma crise no jornalismo e, embora eu esteja certa da sobrevivência de um dos produtos mais nobres do mundo, a notícia, acredito também que há caminhos a percorrer para que ela mantenha intacta sua dignidade. Não, não sou uma purista. Sei que a versão do fato pode ser incrivelmente mais poderosa do que o fato em si, a depender da maneira como é contada. Sei também que os interesses comerciais e políticos colocados nesse tabuleiro podem determinar antecipadamente o resultado do jogo. E tenho perfeita noção de que o contador de histórias é só peão nesse xadrez. Mas quanto significado há nessa incumbência! Contar a história que sobreviverá ao tempo!

Mora aí a inquietude que me assalta vez por outra. Seja por necessidade de produtividade extrema, seja por outros fatores, um jornalista não tem mais o tempo que tinha para amadurecer e saber identificar com precisão tentativas de manipulação, interesses políticos, financeiros e religiosos ou vaidades de maneira geral. A função do repórter se apequenou diante do gigantismo do mercado de mídia e seus esforços para superar a crise. Uma crise que não é da notícia, que jamais morrerá. O que vai mudar, e muito, é o modelo de negócios em torno da embalagem da notícia. Enquanto isso, são cada vez mais difíceis de encontrar os contadores de histórias imparciais. Não isentos de opinião, que todos nós a temos. Mas livres, isso sim, do que não couber no fato narrado porque a ele não pertence.

A todos os que desejam, como a minha menina que está batendo asas, seguir o jornalismo, desejo a melhor sorte. O terreno é minado, mas com juízo, ousadia e ética ser jornalista é possível, é belo, é quase sublime. Acreditem, como eu, que as melhores histórias ainda estão por vir.  

Ana Paula Padrão é jornalista e empresária