No site do Circo Vostok na Internet, no item Leões Africanos, está lá: “Impressionam pela ferocidade, provocam arrepios no público e levam as crianças ao êxtase.” O menino José Miguel Jr., de seis anos, não sentiu nada disso. Nem teve tempo. Quando o pai, José Miguel dos Santos Fonseca, levou o filho para ver os animais do Vostok, no último domingo, em Jaboatão dos Guararapes (PE), um dos leões arremessou a pata sobre o garoto e arrastou-o para dentro da jaula. Outros quatro leões avançaram com a tal “impressionante ferocidade” sobre o corpo e dilaceraram o garoto. Cerca de três mil pessoas, inclusive o pai, a irmã e o primo, assistiram à trágica morte de José Miguel. Policiais militares chegaram uma hora depois do ataque e atiraram para o alto, na tentativa de fazer com que os animais soltassem a criança já morta. Não surtiu efeito e quatro deles foram abatidos a tiros. Segundo o laudo do IML do Recife, nenhum pedaço do corpo foi comido.

A necropsia realizada pela Universidade Federal de Pernambuco nos leões revelou que seus estômagos estavam vazios na hora do ataque. O dono do circo, Alexandre Vostok, disse que eles foram alimentados com dez quilos de carne pela manhã. “A autópsia foi feita quase 18 horas depois que eles comeram”, garantiu, alegando que a comida já havia sido digerida. Francisco Galvão, estudioso de etologia, ciência que trata do comportamento animal, defende a tese de que os leões não atacaram José Miguel porque estavam com fome, e sim porque têm “fixação por crianças em movimento”. Há 28 anos, Galvão fundou o Simba Safári em São Paulo, um parque onde animais selvagens, entre eles 30 leões, circulam livremente e os visitantes só entram de carro. Durante esse tempo, nenhum acidente fatal. “É por isso que não uso microônibus no Simba, porque a meninada se mexe lá dentro e os leões se encantam. São como brinquedos”, diz ele.

O também especialista Carlos Alberts, professor da Unesp, concorda com Galvão e explica que os felinos, assim como outros animais, fazem movimentos involuntários, fenômeno chamado taxia. “Quando um gato vê o novelo de lã em movimento, de imediato avança sobre ele e brinca. O menino pode ter sido vítima desse instinto.” Sobre a possibilidade de um ataque provocado pela fome, Alberts é definitivo: É impossível. Nem famintos atacam seres humanos. Eles têm medo dos adultos, e não das crianças, que são pequenas e os excitam. Mas não pouparam críticas ao circo no que se refere à segurança e à total falta de conhecimento do comportamento dos animais com os quais lidam.

Alexandre Vostok disse que vai indenizar a família, mas até agora só o domador foi indiciado por homicídio culposo. “Centenas de circos no País não têm dinheiro para manter estes animais. Sustentar e fazer a segurança é muito caro”, disse o presidente da União Internacional Protetora dos Animais, Milton Leite. “Isso pode acontecer de novo porque ninguém fiscaliza.”