Os dez ensaios reunidos por Lynn Avery Hunt em A invenção da pornografia – obscenidade e as origens da modernidade 1500-1800 (Hedra, 374 págs., R$ 29) acabaram acendendo um debate sobre censura nos Estados Unidos, pela perspectiva histórica provocante com que recupera os valores “positivos” da pornografia. Por exemplo, ao mostrar que ela foi uma prática literária e uma expressão artística importante para a democratização da cultura e a emergência da modernidade. O livro é marcado pelo impulso de virar pelo avesso alguns clichês sobre o tema, explorando as relações entre poder e saber, o entrelaçamento das esferas individual e coletiva, da teia familiar com as convenções sociais, da liberdade da criação com os mecanismos repressivos. Ou seja, os ensaios revelam que, como tudo no mundo, a pornografia é um fenômeno histórico-cultural, uma “invenção” por assim dizer. Mas o foco da discussão sobre a obscenidade é deslocado: a questão não é mais saber o que se fala, pinta ou escreve, e sim quem pode fazê-lo, e a quem se destina este discurso. De uma perspectiva histórica, portanto, a pornografia tem muito mais a ver com a circulação de idéias do que com o sexo.

A rigor, a palavra “pornografia” só foi criada em 1806, para designar os “esgotos da literatura” – as obras que punham em questão os limites da decência e os poderes das autoridades eclesiáticas e seculares. Nessa altura, já estava estabelecida uma verdadeira “tradição” pornográfica. É curioso observar que a pornografia foi um fenômeno resultante de uma inovação tecnológica – a possibilidade de reproduzir em massa textos e imagens de conteúdo “sexualmente sugestivo” – e cujo crescimento seguiu a evolução política da Europa, do Renascimento à Revolução Francesa e aos primeiros governos eleitos pelo voto popular. Ou seja, a pornografia acompanha de perto a difusão da palavra impressa e o próprio desenvolvimento da modernidade.