A desaguar numa praia de Fort Lauderdale, o cubano Elián González perdeu sua condição de garoto de seis anos. Foi transformado em ícone de uma guerra hiper-simbolista. Para os babalorixás da Santeria de Cuba – o sincretismo religioso a la umbanda e candomblé no Brasil – Elián já é tido como orixá encarnado. O escritor Guillermo Cabrera Infante – que faz um bico como pai-de-santo e é anticastrista ferrenho – diz que o menino é a divindade Elegguá – o equivalente a Xangô, o justiceiro nas crenças brasileiras. Em Havana, Fidel Castro contra-atacou e tascou o moleque bem no alto do panteão de mártires da Revolução comparando-o com Che Guevara, e mandando erigir uma estátua onde o pequerrucho se aboleta no colo do “Pai da Independência”, José Martí. Pelas ruas de Miami, a comunidade de exilados cubanos de extremíssima direita jura que a Virgem Santíssima tem aparecido nos locais mais insuspeitados, como a vidraça de um banco perto de onde a família de Lázaro González – tio afastado do pequeno prodígio – mantém o menino trancafiado a sete chaves numa modesta casa na região de Little Havana.

Perdidos em meio a esta Babel sórdida estavam o pai, o filho e o espírito santo da lei. O pai é Juan Miguel González, o funcionário de um hotel na turística cidade de Varadero, há 150 quilômetros de Havana. Ele chegou aos EUA na quinta-feira 6 com o propósito de levar Elián de volta a Cuba o mais rápido possível. “Tenho certeza de que as autoridades americanas não vão permitir que minha criança continue sofrendo”, disse Juan Miguel ao chegar em Miami. O espírito santo da lei americana vem sendo soterrado em blasfêmia desde que o Serviço de Imigração e Naturalização dos Estados Unidos decidiu que Elián deveria ser devolvido ao pai. Uma lenta, embora feérica, luta nas cortes americanas fez com que o caso se arrastasse até a terça-feira 4, quando o SIN deu a custódia do menino a Juan Miguel.
Poucos demonstraram abalo na casinha de Little Havana. A única a ser acometida de mal súbito foi a prima Marisleysis González, auto-empossada nas funções de mãe substituta de Elián. Uma cena dramática sempre ajuda na guerra publicitária que se trava ao sul da Flórida. E, na verdade, a propaganda é a alma deste negócio: Elián Gonzáles é apenas um garoto propaganda disputado por facções amorais. “É muito provável que a família que mantém Elián cativo tenha também enfiado estas mentiras na cabeça dele. Trata-se de uma lavagem cerebral”, disse a ISTOÉ Gregory Craig, o advogado americano de Juan Miguel.

Os extremistas que cercam a casa de Little Havana fizeram uma barreira humana para guardar o local. O ato cheirou ao desafio das autoridades racistas do Sul dos Estados Unidos durante o período das lutas contra o segregacionismo, nos anos 60. E todos sabem como aquela história acabou: o presidente da época mandou as tropas federais enforcarem a lei. Mas Bill Clinton não é Lyndon Johnson e quase ninguém acredita que o governo tenha peito, ou estômago, para ir tomar Elián no muque.

Elián González é transformado em um ícone de uma guerra entre a comunidade cubana nos EUA e os partidários de Fidel em Havana