16/01/2014 - 14:57
A morte de um adolescente gay de 17 anos no último sábado, na região central de São Paulo, mobilizou centenas de pessoas por meio das redes sociais nesta semana em um protesto contra a homofobia. Kaique Augusto dos Santos foi encontrado morto, com o rosto desfigurado, no último sábado na avenida Nove de Julho, uma das mais movimentadas da capital paulista. Mas esse foi apenas um dos capítulos dessa história cheia de mistério, como relatou ao Terra a irmã da vítima, Tayna Chidiebere, 19 anos.
Segundo Tayna, Kaique foi para uma balada na noite de sexta-feira com alguns amigos, na região da República, onde desapareceu após algumas horas. Segundo relato dos colegas do jovem, ele foi visto pela última vez em frente ao palco da casa noturna PZÁ. Depois, ele teria saído do estabelecimento sozinho ou com outra pessoa que não fazia parte do grupo.
O adolescente estava morando provisoriamente na casa de um amigo, em Santana, na zona norte, e a primeira pessoa que notou o desaparecimento do jovem foi sua chefe, que ligou imediatamente para a mãe do amigo que o acolheu. “O meu irmão era muito responsável com o trabalho e a escola. Era para ele ir trabalhar no sábado, mas acabou faltando no serviço. A patroa dele, então, ligou para a Aline que era a responsável por ele, em Santana. O amigo dela, filho da Aline, me mandou uma mensagem pelo Facebook, na segunda, dizendo que precisava falar com ele urgente", relatou a irmã.
Colegas de Kaique imaginaram que ele poderia estar na casa de algum colega, mas, com o passar do tempo, a preocupação acabou tomando conta de toda a família. Na segunda-feira, Tayna ligou para a mãe perguntando pelo irmão, mas ela disse que não via o jovem desde o feriado de final de ano.
No mesmo dia, familiares iniciaram a busca, que durou quase 24 horas. A mãe de Kaique foi até o Hospital das Clínicas e Instituto Médico Legal (IML), onde não encontrou nenhum registro de vítimas com as características do adolescente. Após a busca inicial, mãe e filha foram para o 4º DP, na Consolação. “Chegando lá, um policial disse que ele deveria estar na casa de algum amigo, já que ele era homossexual. Eles me mandaram para o DHPP (Departamento de Homicídio e de Proteção à Pessoa), para registrar o desaparecimento. Lá (DHPP), me disseram que era para acompanhar o andamento da investigação por uma semana, mas que ele poderia estar na casa de algum conhecido”, disse Tayna.
Incansável, a mãe de Kaique foi até a balada, onde não conseguiu informações. Depois, ela partiu para o Largo do Arouche, onde o filho costumava ficar com os amigos. “Minha mãe chegou até a verificar se o Kaique não era nenhum dos moradores de rua que estavam ali, no desespero de encontrar o meu irmão”, disse.
Segunda visita ao IML
No anoitecer da segunda-feira, o irmão da jovem foi até o IML mais uma vez, onde recebeu a informação de que novos corpos haviam chegado. “Haviam novos corpos, mas disseram que não podiam mostrar, já que o legista não estava lá e não existiam nem fotos dos cadáveres”.
Na noite de segunda, a mãe de Kaique retornou à boate onde ele foi visto e “interrogou” os seguranças. Segundo os funcionários, no dia do sumiço houve sim uma briga no local. Os seguranças, porém, não souberam dizer se Kaique estava entre os envolvidos.
Recebendo a notícia
Na manhã de terça-feira, Tayna combinou um encontro com os amigos de Kaique, que o acompanhavam no dia da festa, mas, segundo ela, nenhum compareceu. Após o ‘furo’ dos colegas, a jovem retornou ao DHPP para relatar o comportamento dos adolescentes, que ela considerou “estranho”. “O policial que me atendeu disse que os jovens não devem ter culpa de nada, mas eu falei que era preciso investigar. Não dá para saber, né?”, questionou.
Ao sair do prédio da polícia, Tayna recebeu uma ligação do irmão mais velho, que fazia a terceira visita ao IML. Em choque, ela recebeu a notícia de que o corpo de Kaique havia, finalmente, sido encontrado.
Segundo ela, o corpo estava no IML como indigente desde sábado. O adolescente foi encontrado com sinais de espancamento, com o rosto desfigurado e sem os dentes, “Ele estava cheio de hematomas e fraturas. Atravessaram sua perna com uma barra de ferro, o que fez o legista acreditar que ele tenha sido muito torturado antes de morrer”, falou.
Mistério
Ao ser encontrado pela Polícia Militar na avenida Nove de Julho, o caso foi relatado no boletim de ocorrência como suicídio, segundo os familiares. “Eles registraram o caso como possível suicídio, mas fica claro que não foi isso. Ele ainda foi encaminhado ao IML no sábado e somente na segunda conseguimos identificar o Kaique.”
Outro informação que intriga Tayna é o fato de o corpo ter sido encontrado na avenida Nove de Julho e ninguém ter sido informado. “Até agora não me disseram em que pedaço da Nove de Julho ele foi encontrado. Nós moramos muito tempo ali na rua da Abolição e temos muitos amigos por lá. É no mínimo estranho ninguém ter ouvido falar desse corpo”, disse a jovem.
“As pessoas dizem que os assassinos podem ser skinheads. Eu acredito que quem matou o meu irmão nem o conhecia, pois esse tipo de crime contra gays é comum, infelizmente”, falou Tayna, que disse ainda que o irmão “previu” que isso iria acontecer um dia. “O meu irmão era uma pessoa muito tranquila. Ele jamais reagiria se fosse abordado, mas o que mais me assusta é o fato dele ter dito algumas vezes que ele seria morto por alguém no meio da rua, e que não chegaria aos 30 anos. ‘Como o dia está hoje, vão me pegar qualquer dia desses na rua’, dizia ele, sorrindo’”.
Segundo a irmã, essas declarações revoltavam os familiares, mas a resposta de Kaique era sempre a mesma: “se acontecer algo comigo, vocês só me enterram". Para a tristeza da família, a previsão do jovem se confirmou e seu corpo foi enterrado ontem, em Taboão da Serra, na Grande São Paulo.
Protesto
A morte do adolescente, supostamente motivada pela sua orientação sexual, fez com que amigos e simpatizantes do movimento gay organizassem um ato por Justiça na próxima sexta-feira. O ato, que está marcado para o Largo do Arouche, passará pela avenida Nove de Julho – local onde Kaique foi encontrado – e terá como destino a Câmara Municipal de São Paulo, “para chamar atenção das autoridades competentes”.
Paralelo a isso, uma petição online foi criada nesta quarta, pedindo "que este caso não seja arquivado tornando-se parte de mais uma estatística de casos não solucionados, caindo no esquecimento de nossas autoridades e população". A mensagem foi encaminhada ao Ministério Público de São Paulo, para que acompanhe as investigações policiais.