Os amigos elogiam seu empenho, mas a atriz americana Amy Irving, 46 anos, ainda comete uma charmosa mistura de sotaques do inglês com o português. No entanto, em sua breve passagem pelo Rio de Janeiro, na semana passada, para divulgar o belo filme Bossa nova, do qual é protagonista ao lado de Antonio Fagundes, Amy mostrou que as influências do Brasil vão muito além da língua. O casamento de 11 anos com o carioca Bruno Barreto, diretor do filme, e o convívio com amigos brasileiros como Maria Padilha e Antônio Calmon fizeram com que ela se deixasse envolver por algumas características tropicais. Antes adepta assumida do estilo largadão, hoje usa roupas mais justas, que valorizam sua excelente forma física, resultado de horas diárias de ginástica. Esse contato mais aproximado com a cultura local também permitiu à atriz detectar algumas sutilezas do comportamento brasileiro. “O ciúme é um passatempo nacional”, afirma ela, talvez influenciada pela leitura e admiração confessa de Nelson Rodrigues.

Amy Irving estreou no cinema em 1976, no filme Carrie, a estranha, de Brian De Palma. É formada em teatro, em Londres, e alterna atuações entre as telas e os palcos. A cada vez que vem ao Rio, visita os amigos e come na churrascaria Porcão e sempre leva ao Pão de Açúcar os filhos Max, 14 anos – de seu casamento com o cineasta Steven Spielberg –, e Gabriel, nove, com Barreto. Eles adoram colecionar os típicos pratinhos com fotos do cartão-postal carioca. Enquanto se preparava para a première de Bossa nova, arriscando algumas palavras em português, Amy Irving falou com ISTOÉ na piscina do Hotel Copacabana Palace.
ISTOÉ – Este é seu terceiro filme com Bruno Barreto. Como é trabalhar com o marido?
Amy Irving – Nos conhecemos no set de A show of force (Assassinato sob duas bandeiras), em 1990. O relacionamento começou como diretor e atriz. Nos apaixonamos durante as filmagens. Sempre soubemos que podíamos trabalhar juntos. Têm sido nossos melhores momentos. Na verdade, as coisas são mais difíceis quando não estamos trabalhando juntos. Batemos as cabeças no cotidiano. No set de filmagens funcionamos muito bem.
ISTOÉ – E fora do set?
Amy – Na vida real, não sou nada subserviente. E isso é muito difícil para ele, porque viemos de culturas diferentes. Ainda não aprendi o truque das mulheres brasileiras de serem as chefes deixando os maridos pensarem que são os chefes. Estou tentando. No início, achava ridículo os homens brasileiros quererem que as mulheres fizessem tudo para eles! Mais tarde, entendi que as mulheres não são assim tão subservientes. Elas tomam conta do homem, mas delas também. Antes, eu ficava com raiva do Bruno porque achava que ele esperava algo de mim por eu ser mulher. Percebi que não era machismo, é uma questão cultural.
ISTOÉ – Está se adaptando como?
Amy – A primeira vez que ele trocou uma lâmpada, saímos para comemorar. Ter feito Bossa nova me fez entendê-lo muito melhor. Minha personagem era ele em Nova York. Eu era a estrangeira. Entendi que ele não é mimado, como eu achava no início. Entendi por que ele é assim. A classe alta aqui é acostumada com muita ajuda. A primeira vez que vim aqui, ficamos na casa de meus sogros. Fui lavar as roupas das crianças e, como as instruções eram em português, pedi ajuda à minha sogra (Lucy Barreto). E ela nunca tinha usado a máquina!
ISTOÉ – Você mudou muito depois de se casar com o Bruno?
Amy – Meu sangue ficou muito mais quente. Fiquei menos inibida. Sou filha da geração flower power, mas sou americana. O Brasil e o Bruno me abriram muito a cabeça. O Bruno me desafia. Sou mais feliz, corro mais riscos. Até fisicamente, as pessoas aceitam melhor seus corpos aqui, são mais à vontade em relação à sexualidade. Os americanos são muito puritanos em relação a isso. Tento falar de sexo abertamente com meus filhos. O mais velho, Max, está na fase de descobertas e não gosta muito de falar disso com a mãe.

ISTOÉ – Como está sendo o seu aprendizado do português? Acha uma língua difícil?
Amy – Eu e meu filho mais novo, Gabriel, temos aulas em casa quatro horas por semana com um professor brasileiro. Comecei antes das filmagens para que eu entendesse o que o Bruno falava com os outros atores. Não sou fluente, mas consigo dizer o que quero e posso sobreviver. Entender é mais difícil, as pessoas falam muito rápido. É uma língua difícil, muito diferente do inglês, que é muito mais simples. Não ligo para o sotaque, só quero entender e ser compreendida. O Bruno gosta de falar um inglês perfeito. Eu só quero falar.
ISTOÉ – Em 1997, você trabalhou com Woody Allen em Desconstruindo Harry. No set ele é tão complicado como aparenta nos filmes?
Amy – Ele é um homem muito neurótico, mas foi uma experiência muito boa. Já o conhecia muito tempo antes do filme. Por isso me senti muito confortável. Me diziam: “Não espere que ele converse com você.” Mas conversamos bastante, foi muito divertido. Ele é uma pessoa que não está confortável em sua própria pele. Os personagens que interpreta refletem isso. Ele tem muitas fobias. Sempre tentava acalmá-lo, sou muito mãe.
ISTOÉ – Qual sua impressão sobre o povo brasileiro?
Amy – Após 11 anos em contato com o Brasil, começo a ver além da música, da cachaça, da sensualidade, tudo de maravilhoso. Começo a perceber as coisas mais escondidas, a ler Nelson Rodrigues. As pessoas são todas calorosas, te beijam e abraçam, mas estão com ciúmes. O ciúme é um passatempo nacional do Brasil. De formas muito diferentes. Cobram se alguém liga primeiro para um amigo do que para outro, se convida uma pessoa para jantar. Chateiam-se com esse tipo de coisa. Começo a saber lidar com isso, mas às vezes só digo foda-se! É a minha frase preferida.
ISTOÉ – Como foi trabalhar com Barbra Streisand em Yentl, em 1983?
Amy – Adorei trabalhar com ela. É muito talentosa, tinha uma visão muito clara do que queria. Ela queria fazer de minha personagem a mulher perfeita. Fez tudo para eu ficar o melhor possível, preocupando-se com a luz certa em mim, as cores certas da maquiagem. É muito detalhista. Na cena em que tínhamos de nos beijar, ela ficou tímida, rindo.
ISTOÉ – Ainda é amiga de Barbra?
Amy – Não ficamos exatamente amigas, ela é muito Hollywood e eu sou anti-Hollywood.
ISTOÉ – Por quê?
Amy – Prefiro o cinema independente. Nunca fui feliz em Hollywood. Sempre quis ser uma boa atriz, nunca pensei em ser rica e famosa. Queria ser atriz de teatro, onde não há isso. Fazer parte de Hollywood traz um monte de coisas ruins junto. Falta de privacidade, lidar com medo em público, superegos. Algumas vezes, atores se comportam como se tivessem dois anos de idade! Gritam por tudo, reclamam de seus trailers não serem tão grandes. Coisas tão estúpidas! Na maioria das vezes é insegurança e carência. É muito chato. Dá vontade de dizer: “Cala a boca e vamos trabalhar.” Aqui, me impressionei com a simplicidade do elenco de Bossa nova, todos atores consagrados. Em Hollywood, o foco não está na criatividade, mas nos negócios. A melhor coisa que fiz foi me mudar para Nova York. Los Angeles é uma cidade de uma nota só.
ISTOÉ – Você já afirmou que ser casada com Steven Spielberg só dificultou sua carreira? Por quê?
Amy – Normalmente não tenho nenhum problema em falar de Steven. Eu o adoro. Ele é o pai de meu filho, somos muito amigos. Entendo a pergunta, a curiosidade sobre isso e não me ofendo. Mas, como estou lançando um filme de Bruno Barreto, escolhi não falar dele neste momento. Steven adorou Bossa nova.


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