Na madrugada da quinta-feira 30, uma sala do business center do Kubitschek Plaza Hotel, em Brasília, esteve em polvorosa. Aparelhos de celular tocavam ininterruptamente, fax traziam as últimas notícias, uma televisão ficou ligada para acompanhar imagens do julgamento que definiria os rumos da maior fusão já feita no Brasil. Nesta sala estavam Marcel Herrmann Telles, co-presidente da Companhia de Bebidas das Américas (AmBev), e um pequeno grupo de funcionários da empresa. Foram quase 15 horas de suspense até que o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) batesse o martelo e aprovasse a criação da AmBev, resultado da fusão entre Brahma e Antarctica. Para comemorar a decisão do conselho, o grupo solicitou ao hotel um balde com gelo e algumas cervejas. Em seguida chegou Victório de Marchi, também co-presidente da AmBev, que havia acompanhado toda a audiência in loco. Já eram quase 6 da manhã quando os executivos fizeram o brinde. Mais do que felizes, eles estavam exaustos e aliviados.

“Nunca imaginamos que fosse demorar tanto”, desabafa Telles.
A nova empresa torna-se a terceira maior cervejaria do mundo e o quinto maior fabricante de bebidas. Com ativos superiores a R$ 9,1 bilhões, já detém 40% do mercado brasileiro de bebidas e, no caso de cervejas, sua participação está próxima de 70%. O caminho até a aprovação foi longo. Anunciada em 1º de julho de 1999, a gestação da AmBev levou nove meses para se concretizar. Na longa novela não faltaram lances rocambolescos, como denúncia de corrupção, gravações clandestinas de telefonemas e guerra declarada entre AmBev e Kaiser (a principal oponente à fusão). O clima entre as empresas esteve tão tenso que foi preciso a interferência do ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias, para apartar os concorrentes e recomendar trégua.

Disputa – A decisão do Cade de aprovar a fusão, ainda que com restrições, acabou contrariando os pareceres da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) e da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae). Na avaliação dos dois órgãos, para que a AmBev fosse aprovada, a nova empresa deveria se desfazer de uma das três marcas líderes: Skol, Brahma ou Antarctica. Os conselheiros do Cade, porém, recomendaram a venda da Bavária, marca que faz parte do portfólio da Antarctica e que detém 4,4% do mercado nacional. Quem comprar a marca Bavária terá de comprar também cinco unidades fabris da AmBev (uma em cada região do País) e poderá compartilhar da rede de distribuição da empresa por um período de quatro anos. Um detalhe, porém, reduz o número de interessados. O comprador não pode ter participação superior a 5% no mercado de cervejas, o que automaticamente tira da disputa concorrentes como Kaiser e Schincariol, que detêm 15% e 9%, respectivamente.

A pergunta que fica no ar é: quem terá condições de comprar o “pacote Bavária”, que, segundo estimativas da AmBev, deve valer cerca de R$ 500 milhões (o valor exato ainda será definido depois que a dinamarquesa Danbrew fizer o trabalho de auditoria)? A aposta é que a marca atraia algum fabricante estrangeiro, disposto a entrar na disputa por uma fatia dos R$ 16 bilhões movimentados anualmente no Brasil entre produção e comercialização de cerveja. Um dos nomes mais cotados é a Anheuser-Busch, fabricante da Budweiser, cerveja mais vendida no mundo, e que tem participação muito tímida por aqui (a Bud chega ao País através da importadora Expand). A empresa, porém, desconversa. Por meio de um comunicado, Stephen J. Burrows, CEO e presidente da Anheuser-Busch, afirma que a aprovação da fusão Brahma/Antarctica é um assunto que não lhe diz respeito e não haveria comentários a fazer.

Ajuste – Passada a batalha pela aprovação, a AmBev agora arregaça as mangas. A primeira providência foi sentar com grandes revendedores para renegociar os preços das cervejas. De Marchi promete que nos próximos dias o consumidor poderá encontrar nas gôndolas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília produtos com preços entre 2% e 5% menores. Paralelamente, começa a busca pelo mercado externo. A empresa avisa que num prazo máximo de cinco anos 50% da venda de cerveja deverá ser feita fora do Brasil, principalmente na América Latina. E no caso de refrigerantes, a vedete será o Guaraná Antarctica, que, através de um acordo operacional com a Pepsi Co., poderá ser distribuído para mais de 175 países e tem como objetivo abocanhar 1% do mercado mundial, equivalente a US$ 700 milhões. Será preciso, também, fazer um ajuste interno. De acordo com o balanço publicado na semana passada, a AmBev registrou em 1999 prejuízo de R$ 310 milhões. Boa parte do resultado negativo se deve ao endividamento da Antarctica, que chega a R$ 1,2 bilhão. A reestruturação, a economia de R$ 500 milhões produzida pela sinergia entre Brahma e Antarctica e o avanço na participação de mercado, porém, devem resultar num balanço diferente para 2000. “Acredito que vamos encerrar o ano com um lucro na casa dos R$ 400 milhões”, avalia Telles. Apesar do clima festivo na AmBev, o presidente da Kaiser, Humberto Pandolpho, já avisou que estuda a possibilidade de entrar na Justiça contra a decisão do Cade. Para a nova companhia, no entanto, não há mais espaço para esse tipo de disputa. “A guerra acabou”, decreta Telles.

Perfil da AMBEV

* Receita líquida em 99 R$ 4,61 bi
* Número de empregados 17.000
* Ativos totais R$ 9,12 bi
* Participação no mercado de cervejas 72%
* Participação no mercado geral de bebidas 40%
* Unidades industriais* 50
* Somando fábricas no Exterior, incluindo as cinco que deverão ser vendidas