Habituada aos saques de sítios arqueológicos, a polícia peruana não hesitou quando os donos de bares de uma pequena aldeia, localizada ao norte do país, começaram a receber adornos e peças de ouro dos fregueses como forma de pagamento de suas contas. Isso sinalizava que, mais uma vez, algum tesouro do passado havia sido descoberto – e que muita gente estava se apropriando dele para transformá-lo em moeda de troca. Os saqueadores foram presos e indicaram o mapa da mina: um conjunto de pirâmides de 35 a 70 metros de altura, que a ação do tempo mais fazia parecer uma colina coberta de musgo. Foi nesse local, em um grande monumento funerário construído pela etnia mochica, que acabou ocorrendo uma das maiores e mais preciosas descobertas arqueológicas: a tumba do Senhor de Sipán.

É justamente esse maravilhoso e valioso acervo do Museo Tumbas Reales de Sipán, no Peru, que pela primeira vez está no Brasil na exposição Tesouros do Sipán – o esplendor da cultura mochica (Pinacoteca do Estado, em São Paulo). Entre as 200 peças (cerâmicas, objetos de metal, paramentos, adornos e jóias) figuram itens avaliados em US$ 500 mil, como um protetor para a coxa feito em ouro: pesa 1,3 kg. Outro objeto é um colar de 20 contas de ouro e prata, construídas no formato de amendoins com nove centímetros de diâmetro, avaliado em US$ 400 mil – o amendoim era cultivado pelos mochicas, que lhe atribuíam uma simbologia sagrada. Anterior aos incas, essa civilização viveu entre os séculos I e VII e era exímia na arte de produção de ornamentos. Como se organizavam numa sociedade teocrática, os Senhores (líderes políticos dos pequenos reinos) atribuíam aos metais nobres o poder de evocar deuses: dá para se imaginar, assim, a riqueza de seus enfeites e ícones. Além do colar de “amendoim”, outra peça valiosíssima usada pelo Senhor de Sipán era um brinco com 9,4 centímetros de diâmetro representando um guerreiro, feito em ouro com incrustações de turquesa: pesa 66,8 gramas e vale US$ 500 mil.

Os mochicas acreditavam na vida pós-morte e eram sepultados com suas posses, o que explica que o primeiro achado nas escavações da tumba tenha sido 1,3 mil vasos de cerâmica com oferendas. Cinco metros abaixo foram localizados os restos do Senhor de Sipán e de seus acompanhantes (três concubinas, um guerreiro, um soldado, um menino, duas lhamas e um cachorro), todos paramentados. Dos objetos pessoais do Senhor, vieram ainda para a exposição um cetro e um protetor de nariz, também em ouro. Essas peças ocupam as três salas centrais da mostra (são sete ao todo). Logo na entrada, o visitante recebe as informações básicas sobre a cultura andina por meio de cerâmicas usadas em oferendas e vasos em forma de animais, deidades e figuras humanas. Na sala 2, o foco é a própria cultura mochica, com destaque para os huacos, cerâmicas usadas para retratar pessoas comuns. “É possível reconhecer os mesmos tipos físicos dos peruanos atuais, e isso dá às peças grande importância, sobretudo nos estudos sobre a formação do nosso povo”, diz o museólogo e organizador geral da mostra, Julio Vera.

Os vasos cerâmicos são de grande valia para o conhecimento da cultura mochica que floresceu um milênio antes da civilização inca. Durante muito tempo, por exemplo, um desenho gravado em um vaso, representando um ritual de figuras enfeitadas com chapéu de meia-lua, era um enigma para estudiosos como o antropólogo Walter Alva, curador da mostra. Pensava-se que aqueles nobres (um deles dando um cálice ao outro) eram seres mitológicos. O que possuía mais atributos e emblemas ganhou até o nome de “Ser Radiante”. Mas o mistério foi solucionado: ao recolher os despojos do Senhor de Sipán, o antropólogo Alva constatou que todos os adereços usados pelo personagem do desenho pertenciam ao soberano. “Ele desvendou e organizou, assim, toda a hierarquia da sociedade mochica”, diz Vera. Além da tumba do Senhor, foram encontradas também a do Sacerdote e a do Velho Senhor, cujos objetos pessoais (um colar de ouro com cabeças sorridentes e outro colar com dez aranhas) estão na mostra. Réplicas de suas figuras, com todas as jóias e ornamentos, encerram a exposição. Um dos profissionais mais respeitados do Peru, Walter Alva passou um ano identificando e limpando esse valioso acervo, que foi restaurado na Alemanha entre 1988 e 1993. “Ele ficou no local, com revólver na cintura, protegendo o tesouro até chamar a atenção do mundo”, diz Vera.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias