O prefeito Celso Pitta e seus aliados passaram as últimas semanas empenhados em demonstrar que as denúncias de corrupção feitas pela ex-primeira-dama Nicéa Pitta não passam de um discurso raivoso e magoado, sem nenhuma prova concreta das maracutaias. ISTOÉ teve acesso a um documento (leia fac-símile acima) anônimo recebido pelo Ministério Público que pode fazer ruir todo o empenho do prefeito e de seus amigos. O mais novo e forte indício é uma lista com os nomes, telefones e endereços de sete vereadores da base governista que receberiam mesadas para aprovar os projetos de interesse da prefeitura. Em forma de código, o documento aponta as datas e as quantias entregues a cada um desses vereadores de julho do ano passado até fevereiro deste ano. O total soma R$ 3,1 milhões. Uma dinheirama que teria sido entregue em espécie no endereço residencial de cada um dos vereadores citados. O documento foi a gota d’água que faltava para que o Ministério Público ampliasse suas ações e desse início a uma efetiva busca de provas concretas que confirmem ou não as denúncias de Nicéa. Na sexta-feira 31, munidos de autorização judicial, delegados e promotores apreenderam dezenas de computadores e documentos na Secretaria de Governo. Na casa do secretário Carlos Augusto Meimberg, foram encontrados computadores sem a CPU. A justificativa foi a de que elas estavam no conserto.

O objetivo da ação é tentar encontrar a origem do documento anônimo, comprovadamente redigido em um computador. A Secretaria de Governo foi a primeira a ser vistoriada, porque, segundo as declarações de Nicéa, Meimberg seria o responsável por encaminhar as propinas aos vereadores. É evidente que não foi com base em um papel, sem assinatura, que o Ministério Público solicitou, e a Justiça autorizou, a apreensão dos computadores da prefeitura. Uma análise mais detalhada do documento mostra que os dados nele revelados têm sentido e são coerentes com as acusações formuladas pela ex-primeira-dama. Na Câmara Municipal, é voz corrente que alguns vereadores receberiam mesadas que variariam de R$ 30 mil a R$ 200 mil, dependendo de outros esquemas que o vereador tenha na prefeitura. Aqueles que controlam setores mais rentáveis, receberiam menos. Os que não possuem uma bancada expressiva também. É o caso do vereador Oswaldo Eneas, expulso recentemente do minúsculo Prona. Segundo o documento, Eneas teria recebido R$ 320 mil, sendo R$ 120 mil em dezembro do ano passado – duas parcelas de R$ 50 mil nos dias 7 e 20 e uma parcela de R$ 20 mil no dia 10. Trata-se de um mês de votações importantes, como o IPTU e o Orçamento, cujo projeto sofreu modificações e negociações. A oposição e parte dos governistas tentaram reduzir o porcentual de remanejamento de verbas permitido ao prefeito. No final, o projeto foi aprovado como queria o Executivo.

“Não sei do que se trata. Se esse dinheiro saiu da prefeitura, alguém o interceptou no caminho, pois jamais chegou em minhas mãos”, reagiu o vereador Eneas. Também é voz corrente na Câmara que alguns vereadores aliados do prefeito chegaram a ficar bastante insatisfeitos no começo do ano, pois a mesada estaria atrasando. O documento recebido pelo Ministério Público e fornecido a ISTOÉ mostra que, além de Eneas, Miguel Colasuonno (PMDB), Brasil Vita (PPB) e Toninho Paiva (PFL) teriam deixado de receber em janeiro. O vereador Alan Lopes (PTB), que, segundo a relação, teria embolsado R$ 50 mil de julho de 1999 a fevereiro de 2000, em janeiro teria recebido R$ 25 mil. “Assumi o mandato em janeiro do ano passado e nunca vi tanta lama na minha vida”, disse o petebista. “Isso é mais uma acusação sem prova.”

De acordo com o documento, um dos campeões de mesada seria o vereador Milton Leite (PMDB). Ele teria embolsado em oito meses R$ 650 mil, sendo R$ 300 mil em setembro e outubro do ano passado. Milton foi o relator da CPI que investigou a máfia dos fiscais e foi impedido pela maioria governista de continuar seus trabalhos. A vereadora Maria Helena (PL), que já é investigada pelo Ministério Público e pela polícia em razão de envolvimento com a máfia dos fiscais, teria sido beneficiada, segundo o documento, com R$ 380 mil, em mesadas que variam de R$ 40 mil a R$ 50 mil. Em julho, ela teria recebido R$ 90 mil. Maria Helena fazia parte da comissão que analisou o pedido de impeachment do prefeito. Na comissão, ela votou favorável ao afastamento de Pitta. No plenário, porém, mudou de idéia. A confirmação de sua mudança foi publicada no Diário Oficial no final de junho. O peemedebista Miguel Colasuonno seria outro bem aquinhoado. De acordo com o papel em poder do Ministério Público, ele teria recebido R$ 425 mil. Dezembro teria sido o mês de melhor rendimento: R$ 100 mil. Colasuonno participou da Comissão de Finanças que analisou o projeto do Orçamento municipal, votado em dezembro. “Um documento anônimo não vale absolutamente nada. Não podemos trabalhar com indícios e enlamear uma carreira de 28 anos de vida pública ilibada. Isso só pode ter partido de gente que tem algum interesse em me destruir”, reclamou Colasuonno. “Sou independente e voto de acordo com os meus princípios.”

O documento mostra que o veterano Brasil Vita também estaria se favorecendo da mamata denunciada por Nicéa. Aliás, ele foi citado nominalmente pela ex-primeira-dama em seu primeiro depoimento no Ministério Público. Ele teria recebido R$ 554 mil entre julho do ano passado e fevereiro último. Os pagamentos de R$ 75 mil de agosto e setembro teriam atrasado e sido pagos junto com o de novembro. “Não sei por que fizeram essa acusação. Isso é uma deslavada mentira.” Toninho Paiva (PFL) teria recebido de forma regular R$ 50 mil por mês, até o atraso de janeiro. “Não posso falar pelos outros. Respondo por mim e asseguro que jamais recebi essa mesada. Até gostaria de ter visto a cor desse dinheiro”, contou com ironia.

Apesar das negativas dos vereadores, as reações na Câmara indicam que o documento em poder do Ministério Público pode efetivamente levar a um resultado concreto. Com a reportagem de ISTOÉ, um assessor de um dos vereadores citados no documento manteve o seguinte diálogo:

ISTOÉ – Você acredita que esse documento pode ser verdadeiro? Seu vereador recebe mesada?
Assessor – Não sei. Ele jura de pés juntos que não tem nada. Mas já ouvi falar que essa mesada girava em torno de R$ 50 mil a R$ 80 mil por mês.

ISTOÉ – Mas para quem?
Assessor – Para todo mundo rola mesada e quando há um projeto polêmico pode ter um reforço.

ISTOÉ – O documento mostra até os atrasos do começo do ano.
Assessor – Eu ouvi falar que tinha gente até da oposição recebendo.

Um segundo documento, também anônimo e em poder do Ministério Público, demonstra que haveria uma determinada hierarquia na propina. O documento relaciona cinco vereadores que negociariam diretamente na prefeitura e aponta outros que seriam intermediados por alguns de seus pares, inclusive da oposição. O documento relaciona os tucanos Dalton Silvano, Éder Jofre, Aurélio Nomura e Gilson Barreto. Todos eles seriam intermediados por Roberto Trípoli (PSDB). Diz ainda o documento que Colasuonno seria o distribuidor de propinas para “5 do PT”, sem identificá-los, além de José Izar (PST) e Ivo Morganti (PMDB). Um membro da direção municipal do PT disse a ISTOÉ que não duvida dessa informação.

Ao desencadear a operação de coleta de provas nos computadores da prefeitura, o Ministério espera encontrar algo que dê ainda mais consistência ao documento. Além da Secretaria de Governo, outros órgãos sofrerão devassas. Inclusive para tentar encontrar também a origem da relação de medicamentos que teriam sido superfaturados pelo secretário da Saúde, Jorge Pagura, entregue aos promotores pela ex-primeira-dama. Na terça-feira 28, Nicéa foi à CPI dos Medicamentos, em Brasília, e desencantou os deputados. “Ela não trouxe nada de concreto”, reclamou Nelson Marchezan (PSDB). O mesmo aconteceu no dia seguinte. Durante mais de oito horas, a ex-primeira-dama depôs no Ministério Público. Entregou oito fitas cassetes, mas os promotores apostam mesmo é nessas novas investidas. “Precisamos de um Eriberto ou de provas documentais”, disse um dos promotores que investigam o crime organizado. A lista da mesada pode ser um bom começo.

Em troca de votos, vereadores e deputados negociaram cargos e secretarias em órgãos públicos, ganharam regionais, delagacias e até cemitérios. Segundo documentos da prefeitura obtidos por ISTOÉ, esta seria a divisão da cidade entre os políticos. Ao longo de um mandato, esse quadro costuma mudar de acordo com o apoio dos vereadores ao prefeito na aprovação de projetos de interesse do Executivo na Câmara.