Os cristãos admitirão os pecados cometidos por não poucos deles contra o povo do Antigo Testamento.” As palavras do papa João Paulo II proferidas no Dia do Perdão, no último dia 12 de março, não mencionaram nenhum personagem histórico específico, mas caberiam como uma luva em Eugênio Pacelli, o papa Pio XII (1939-1958), cujo processo de canonização está em curso. As acusações de omissão daquele pontífice diante do extermínio dos judeus pelo regime nazista ganharam novo ímpeto com a publicação de O papa de Hitler – a história secreta de Pio XII, de John Cornwell (Imago, 472 págs., R$ 40). Cornwell não é um autor qualquer. Católico, pesquisador do Jesus College, de Cambridge, ele caiu nas graças da Santa Sé por ter escrito um livro desmontando a tese de assassinato de João Paulo I. Por isso, ao propor “acabar com as dúvidas” sobre Pio XII e o holocausto, teve acesso a muitos documentos oficiais secretos do Vaticano. Mas o que o historiador encontrou o levou a produzir um explosivo dossiê contra Pacelli.
Cornwell traça Pio XII não como um gênio do mal, mas como um prelado obcecado em manter a qualquer custo o poder autocrático do papado sobre a Igreja Católica e a influência desta sobre um mundo cada vez mais hostil ao catolicismo. Isso explica, por exemplo, as razões da concordata assinada em 1933 por Pacelli, então secretário de Estado do Vaticano, com Adolf Hitler. Em troca da obtenção de vantagens para a Igreja Católica na Alemanha, o Partido do Centro Católico teve de se dissolver, o que acabou ajudando a institucionalização da ditadura nacional-socialista. As consequências para os judeus foram ressaltadas pelo próprio Hitler. “A concordata proporcionava uma oportunidade à Alemanha e criava uma área de confiança bastante significativa na luta em desenvolvimento contra o judaísmo internacional”, anotou o ditador.

Como papa, Pacelli preocupou-se acima de tudo em preservar o status do Vaticano. Resistiu a todas as pressões para que condenasse explicitamente a “Solução Final”, alegando que isso poderia agravar a situação dos judeus. Quando os nazistas ocuparam Roma, em 1943, Pio XII nada fez contra a deportação dos judeus, ocorrida sob suas barbas. Ele temia uma rebelião popular que fortalecesse os comunistas. O sumo pontífice também deu sua bênção ao regime fascista-católico da Ustashe na Croácia, cujas atrocidades impressionaram até o Exército alemão. Realpolitik papal? Nem tanto. Depois da guerra, com os países da “cortina de ferro”, Pacelli trocou a atitude de apaziguamento que manteve com o III Reich pelo confronto aberto, incitando à rebelião o clero católico contra o poder comunista. Uma santidade duvidosa em tempos sombrios.