A promessa era o Reino de Deus. O caminho dos Céus seria em uma arca, que os salvaria do Dia do Juízo Final. Mas os seguidores da seita ugandense Movimento pela Restauração dos Dez Mandamentos entraram na arca do inferno em Kanungu (320 quilômetros a sudoeste da capital Kampala) na manhã da sexta-feira 17. A arca do inferno era um templo com janelas fechadas e portas vedadas que explodiu em chamas queimando pelo menos 530 pessoas, entre elas 78 crianças. As centenas de fiéis cantaram durante horas antes de terem seus corpos embebidos em cerca de 40 litros de ácido sulfúrico misturados a gasolina. A mistura liberou um gás venenoso que matou a todos num incêndio relâmpago e devastador. “Os residentes afirmaram que ouviram alguns gritos, mas tudo foi muito rápido”, afirmou o porta-voz da polícia, Assuman Mugenyei. Esse foi o segundo maior suicídio coletivo da história depois do ocorrido em 1978 na Guiana, onde os seguidores do reverendo Jim Jones levaram 914 pessoas a se imolarem.

Os corpos carbonizados ficaram irreconhecíveis e os peritos tiveram dificuldade em contar os crânios. Na segunda-feira 20, eles foram sepultados em valas comuns. Christine Kapere perdeu os pais e mais 15 parentes. Ela havia recebido uma carta da mãe a convidando a participar da seita, afirmando que logo todos iriam para o Céu. “Eles foram forçados a ficar. Não eram livres”, disse ela ao ver os cadáveres. Momentos antes da explosão, vizinhos do templo viram alguns seguidores chamando as crianças que brincavam no pátio para dentro da igreja.

Os líderes do Movimento pela Restauração dos Dez Mandamentos eram Joseph Kibtwetere, 68 anos, e a ex-prostituta Cledonia Mwerinde, 40, também mortos no incêndio. Kibtwetere teve uma trajetória controversa: foi expulso da Igreja Católica, iniciou uma carreira de político frustrado. Nos anos 60, ingressou no católico Partido Democrático, mas foi derrotado nas eleições legislativas de 1980. Aos seus fiéis, o ex-católico dizia que possuía uma fita gravada com um diálogo entre Jesus e Nossa Senhora. Na gravação, a Virgem Maria anunciava que o mundo seria destruído porque as pessoas não estavam seguindo os Dez Mandamentos. Entre os poucos objetos que resistiram às chamas, estavam imagens de Nossa Senhora e Jesus Cristo.

A seita foi formada pouco depois da derrota eleitoral de Kibtwetere, com regras muito severas. Os participantes eram proibidos de ter relações sexuais e, quando não estavam orando no templo, comunicavam-se apenas com gestos. Os moradores de Kanungu disseram à polícia que os seguidores pareciam pacíficos, mas na verdade pouco conheciam sobre seus preceitos, porque os contatos que tinham com eles eram apenas comerciais.
Os líderes da seita, que também incluem padres e freiras excomungados, parecem ter planejado o suicídio coletivo em detalhes. Dois dias antes da matança, os fiéis entregaram todos seus pertences e dinheiro numa cerimônia. Depois despediram-se dos parentes e amigos. “Eles sabiam que iriam morrer no dia 17 porque a Virgem Maria havia prometido aparecer de manhã para transportá-los ao Céus”, afirmou uma moradora. Um ex-padre comprou os 40 litros de ácido e os estocou na igreja. Na arca do inferno estavam seguidores de vários pontos de Uganda.

Fiéis acreditavam que a virgem maria iria levá-los ao céu