João Pedro Stédile, principal coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), tem um sonho: um assentamento onde todas as pessoas trabalhem o ano inteiro, possam frequentar a escola, ter casas de alvenaria, parabólicas e tratores estacionados na porta. Enquanto isso não acontece, ele reedita seu estilo pau e prosa. Ataca a política econômica de FHC e afirma a disposição de pôr fogo nas plantações transgênicas. Ele prefere discutir um projeto para o Brasil a falar de candidatos. Para Stédile é preciso uma revolução social. Discutir nomes é a arma das elites, que, segundo ele, caem de podre e continuam a entregar o País.

ISTOÉ – O Incra diz que as invasões diminuíram, que o governo está resolvendo o problema da terra. O MST perdeu espaço?
João Pedro Stédile – O MST está mais forte do que nunca. Estamos organizando cada vez mais os pobres, porque a pobreza no campo está aumentando. A imprensa brasileira é que está pautada pelas vontades políticas do Planalto. À medida que o MST deixou de ser o movimento dos pobres do campo e começou a levantar na sociedade a bandeira de que é preciso mudar o modelo econômico e de que este governo está destruindo a economia, a imprensa apenas nos pauta quando há algum conflito social, mantendo uma imagem de que o movimento é violento, radical.

ISTOÉ – Trata-se de estratégia para esvaziar o movimento?
Stédile – Uma estratégia para isolar o movimento da sociedade porque o governo sabe que a grande força que o MST tem e continua tendo, além de organizar os pobres do campo, é o apoio da sociedade.

ISTOÉ – A estratégia deu certo?
Stédile – Deu certo para desinformar a opinião pública. O governo insiste nas mentiras e acaba convencendo

ISTOÉ – Mentiras de que tipo?
Stédile – De que está fazendo reforma agrária. Temos um modelo econômico que concentra cada vez mais a terra e a renda; que exclui a agricultura do mercado interno e apenas favorece a exportação; um modelo que aumentou o desemprego na cidade e no meio rural. O governo diz que está resolvendo esses problemas, mas é mentira. O que faz é, sob a pressão de movimentos como MST, desapropriar uma ou outra fazenda. O governo se arvora em divulgar que assentou 350 mil famílias. Ao mesmo tempo, 942 mil perderam a terra. O balanço é negativo. A política agrícola inviabiliza o pequeno agricultor.

ISTOÉ – O que deveria ser feito?
Stédile – A reforma agrária no sentido clássico é sinônimo de democratização da propriedade da terra. É sinônimo de distribuição de renda. Não se faz reforma agrária sem que na cidade haja distribuição de renda para que as pessoas possam comprar a produção. Ela é casada com uma economia voltada para o mercado local. O governo está fazendo o contrário. Implanta um modelo econômico concentrador e dependente. Agora, vivemos um impasse. Não basta mais ocupar terras, pressionar para desapropriar. É insuficiente. Tem de mudar o modelo econômico.

ISTOÉ – A ocupação não é mais o único objetivo. O MST mudou o perfil?
Stédile – Essa mudança de papel é natural e é o que nós queremos. Depois da conquista da terra, essas famílias começam a produzir. Procuramos organizar essa produção dentro da nossa linha de trabalho. Num primeiro momento, orientam para subsistência. O último passo é a organização de agroindústrias. Essa é a única maneira de o agricultor acumular renda mais rapidamente e sair da pobreza.

ISTOÉ – Quantos parlamentares existem ligados ao MST?
Stédille – Não fizemos as contas de vereadores. Em quase todos os Estados, temos um ou dois prefeitos e um ou dois deputados. Em Brasília temos uns 15 ligados ao movimento.

ISTOÉ – Qual é a estratégia para aumentar a bancada nas eleições?
Stédile – O debate que estamos fazendo não se restringe às eleições. Nossa avaliação é que o Brasil vive uma grave crise política, que é decorrência da crise econômica, e uma grave crise moral. Como dizia o poeta Cazuza, a burguesia brasileira fede. Está podre e isso está estampado nos jornais não só pela CPI do Narcotráfico ou pela lama em que se encontra a cidade de São Paulo. O que estamos assistindo é a verdadeira lúmpen burguesia, que abandonou um projeto nacional de desenvolver o País e se agarrou à roubalheira de dinheiro público ou ao tráfico de drogas.

ISTOÉ – Qual é a saída?
Stédile – O debate. Não basta eleger um vereador ou um prefeito; ou discutir quais serão os candidatos em 2002. Temos que debater um projeto alternativo ao modelo. Debater qual é o Brasil que nós queremos.

ISTOÉ – Isso não passa por nomes ou partidos?
Stédile – O Brasil não precisa de salvador da pátria. O que o País precisa é que o povo se organize, lute por um projeto. O principal é discutir o caminho e não quem será o messias desse caminho. Isso será consequência. A trajetória desses 500 anos – e que não deu certo – foi a de ficar seguindo esse messianismo. A nossa reflexão é mais profunda do que o debate eleitoral.
ISTOÉ – Como executar um projeto sem um Legislativo alinhado a ele?
Stédile – Isso também é consequência. No Brasil, o parlamento é mera caixa de ressonância da sociedade. É uma ilusão eleger deputados e achar que eles vão fazer essas mudanças. O que muda um país é o povo organizado.

ISTOÉ – Como o MST avalia a candidatura de Marta Suplicy pelo PT à Prefeitura de São Paulo?
Stédile – A candidatura da Marta é muito positiva e a figura dela ultrapassa a questão partidária. A cidade de São Paulo está ansiosa de um governo honesto. Aliás, nas prefeituras, um governo honesto já está bom. O que precisamos no Brasil é de uma revolução social. Não só no sentido doutrinário, agitativo. Mas a defendida pelo professor Caio Prado Júnior. É preciso mudar as estruturas econômicas e sociais a fim de que a nossa sociedade não seja tão desigual. Isso só é possível através de uma revolução.

ISTOÉ – Lula deveria disputar mais uma vez a Presidência pelo PT?
ISTOÉ – Isso é uma decisão dele, que ainda é o candidato com mais potencial eleitoral na esquerda. Mas repito a tese anterior. Discutir nomes é estratégia das elites para esvaziar o verdadeiro debate. Pelo jornais vemos as elites discutindo se o melhor nome é Ciro Gomes. Já aparece o Garotinho se assanhando para ser candidato e até dentro do PT surge o Cristóvam (Buarque). A artimanha das elites é essa, criar salvadores da pátria. Estou defendendo a política pela ótica dos pobres.
ISTOÉ – Mas não são os pobres que mais gostam de salvadores da pátria?
Stédile – Quanto mais pobre, mais enganado. Não podemos disputar a cabeça dos pobres com a tática da direita. Para salvá-los é preciso conscientizá-los.

ISTOÉ – O sr. disse que a reeleição de FHC transformaria o Brasil na Colômbia. Nós já viramos uma Colômbia?
Stédile – Do lado dos oprimidos ainda não. Mas da burguesia sim. A elite brasileira está cada vez mais parecida com a da Colômbia, envolvida até o nariz com o que há de mais podre. Do lado da interferência dos EUA também. FHC, para nomear o presidente do BC, consultou Michel Candessus (ex-diretor-geral do FMI). Isso aqui virou uma colônia. Nomeou Francisco Gros presidente do BNDES, quando ele deve para esse banco e veio do Morgan Bank. Viramos um consulado dos EUA e isso é muito parecido com a Colômbia.

ISTOÉ – A relação MST-governo continua no estilo pau e prosa?
Stédile – Nosso problema não é pessoal ou de partido, mas de modelo. Não interessa ficar batendo boca com o Jungmann (ministro da Reforma Agrária). Ele foi cooptado pela direita. Não adianta dizer nome feio para FHC. Ele é apenas porta-voz de um modelo que não pensa o Brasil como nação independente. Ele representa essa elite envaidecida com o Exterior, com as ilusões da globalização, e entregou este país.

ISTOÉ – A nova ordem do MST é queimar plantações de transgênicos?
Stédile – Isso não é uma fanfarronice. Ano passado, no Rio Grande do Sul ocupamos várias áreas com soja e arroz transgênicos. Roçamos e botamos fogo. Felizmente, lá o governo do Estado tomou uma atitude heróica de livrar o Estado dos transgênicos.

ISTOÉ – Mas isso não é uma manifestação de radicalismo?
Stédile – Não, não é. O transgênico aqui está proibido. A população reagiu e freou o plantio através do Instituto do Consumidor, o que ganhou uma liminar. E essa liminar nos dá autoridade moral e legal de orientar a nossa base. Existe uma artimanha das multinacionais, principalmente da Monsanto, para subordinar os agricultores a seus interesses. Fizeram uma mutação genética para que essa soja só se viabilize com os herbicidas que elas produzem. Mais: ninguém sabe quais são os efeitos colaterais dessa soja para a saúde. Os EUA querem transformar nossa agricultura numa agricultura podre.

ISTOÉ – O que o MST está preparando para o julgamento de José Rainha no dia 3 de abril, em Vitória?
Stédile – Tivemos a adesão do maior criminalista do Brasil, Evandro Lins e Silva, que numa atitude generosa e solidária nos procurou e se dispôs a integrar a defesa. Vários artistas confirmaram shows de solidariedade. Levaremos seis mil pessoas para uma vigília. O caso do Rainha é um processo político. Um saldo da época em que a UDR tinha força. Poucos sabem que o processo sobre aquele conflito em que morreu um soldado da PM, que atuava como pistoleiro numa fazenda no Espírito Santo, antes de parar na Justiça Militar não citava o Rainha. Isso foi em 1986. Hoje, a sociedade não vai aceitar uma condenação
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