Telê Santana, o ex-jogador talentoso, o técnico vencedor, o aliado incondicional do futebol vistoso e bem jogado, está doente. O corpo magro, os movimentos lentos, a voz arrastada e a desconexão das frases em alguns momentos, efeitos de um acidente cerebral ocorrido durante um exame de cateterismo, são indícios desanimadores. Saudável mesmo permanece sua história irretocável. A volta às bordas dos campos só se efetivará por milagre e, até hoje, permanecem abrigadas embaixo de estranha penumbra as respostas convincentes a algumas questões sobre a visita médica ao Instituto do Coração, em São Paulo, em que o paciente Telê chegou dirigindo o próprio carro e voltou de ambulância.

O Fio de Esperança, apelido dos anos 50, tem hoje uma imagem diferente da exibida quando conquistava títulos com a camisa 7 do Fluminense e das seleções carioca e brasileira. Comprovou competência como artilheiro – sempre o segundo do time, embora atuasse como organizador de jogadas. Orientado por seu técnico e mentor Zezé Moreira, o magro atacante mineiro consagrou uma nova posição no futebol brasileiro, a de terceiro homem de meio-campo. Os mais velhos irão se lembrar de sua forma enérgica de correr, ao contrário de hoje, quando se vê compelido, embora temporariamente, a apoiar-se em sua mulher, Ivonete, sempre dedicada, sobretudo nos momentos de adversidade.

Telê e Zezé Moreira, com quem aprendeu “a ser homem”, firmavam-se na teoria segundo a qual não havia mais lugar para jogadores de posição definida. Estavam décadas à frente da média. “Foi no Fluminense, a partir de 195l, que se iniciaram as transformações no futebol”, lembra Telê, com sua voz vacilante. Aplicavam a marcação por zona, que escandalizou a maioria, agarrada ao anacronismo do homem a homem.

Além do Fluminense, seu time do coração, defendeu o Guarani, de Campinas, e o Vasco. Saiu das Laranjeiras por questão de palavra. “Eles me traíram”, sussurra, numa referência aos cartolas da época. Jogou pouco mais de uma temporada no Guarani de Campinas, convidado por seu amigo Elba de Pádua Lima, o Tim. Depois, para ajudar o amigo Zezé Moreira, então técnico do Vasco, atuou em duas partidas, tentando organizar o time cruzmaltino, mas uma grave distensão afastou-o dos estádios. Sua única expulsão de campo ocorreu num jogo contra o Olaria, após uma briga com Olavo, um zagueiro violento. O cartão vermelho mais grave veio há quatro anos, quando o destino o empurrou para longe do futebol. Ele estava dirigindo o São Paulo, onde se consagrara campeão paulista, brasileiro, continental e mundial. No dia 29 de janeiro de l996, o médico do clube aconselhou-o a fazer um check-up no Instituto do Coração, o InCor, em São Paulo.

Nesse período, Ivonete, por ironia, voltou a pensar sobre o futuro do marido. Seria o momento de pendurar as chuteiras? A carreira começara no meio do século e o final do milênio estava próximo. Como técnico, só uma frustração o amargurava. Armara, segundo a imprensa internacional, a melhor Seleção Brasileira de todos os tempos, a de 1982, mas não alcançou o título. “Aquele quadrado – Cerezo, Falcão, Zico e Sócrates – dava refinamento ao time. Foi a única vez que o futebol brasileiro perdeu e saiu aplaudido de campo”, recorda Telê. Na Copa seguinte, no México, foi desclassificado nos pênaltis. “A loteria foi injusta conosco”, assinala. Em compensação, venceu dois mundiais de clubes com o São Paulo (1992 e 1993) e conquistou títulos nacionais e regionais dirigindo clubes do porte de Atlético Mineiro, Grêmio, Palmeiras, Flamengo, Botafogo e Fluminense. Não bastasse, ainda foi campeão em sua passagem pelo complicado futebol árabe.
O mestre seguiu despreocupado para o check-up. Dirigiu seu carro, ao lado da mulher, traçando planos para uma viagem de férias. Submeteu-se a exames de rotina no Instituto do Coração, onde normalmente se chega de ambulância e na maioria das vezes se sai com as próprias pernas. Com Telê deu-se o oposto. Submetido a um cateterismo, sondagem que os familiares suspeitam ter sido precipitada, teve o cérebro afetado. “Os dois desmaios em meus braços já indicavam que as coisas andavam erradas”, relembra Ivonete. “Não me bacharelei em medicina, mas me considero PhD em Telê Santana. Sou uma mulher ética e não vou acusar ninguém. Asseguro, no entanto, que meu marido era um homem saudável para a sua idade”, completa Ivonete. A doença castigou Telê impiedosamente. Ancorado em coragem singular, o mais competente técnico brasileiro das últimas décadas sustenta uma esperança irreversível. Teimoso, ele não desiste.