chamada.jpg
FUTURISTA
Em “Minority Report”, Tom Cruise age numa polícia que pode prever crimes

No futuro, a vida dos mentirosos pode ficar muito mais complicada. Cientistas da Universidade de Zurique, na Suíça, conseguiram detectar, por meio de exames de ressonância magnética, atividades em determinadas áreas do cérebro humano que denunciam se uma pessoa está disposta ou não a cumprir com a palavra empenhada. A pesquisa foi feita com voluntários, que, divididos em duplas, participaram de um jogo. Na brincadeira, cada indivíduo desempenhava o papel de investidor ou de financista. O investidor recebia duas unidades de dinheiro e podia decidir se ia investi-lo ou não. Se aplicasse com o financista, poderia obter até o quíntuplo desse valor (dez unidades). Como comissão, o financista ficaria com metade (cinco unidades) e daria o restante ao investidor. Nada garantia, porém, que ele não fosse ficar com todo o dinheiro.

TESTES
Por meio de ressonância magnética, foi possível ler atividade do cérebro

O teste foi aplicado duas vezes. Na primeira, os investidores tinham de adivinhar se os financistas iam ou não cumprir a promessa e, então, decidir se investiriam o dinheiro. Na segunda vez, os financistas estavam livres para prometer que iriam dividir os lucros igualmente com o investidor – mas não precisavam, necessariamente, cumprir com a palavra. Os voluntários que desempenhavam o papel de financistas estavam dentro de um aparelho de ressonância magnética, que fazia a leitura de sua atividade cerebral. Os cientistas notaram que certas áreas do cérebro ficaram mais ativas nas pessoas que estavam dispostas a quebrar o compromisso e ficar com todo o dinheiro. “O mais interessante é que as medições do cérebro, durante o tempo em que os voluntários prometiam, nos permite prever o comportamento que terão no futuro”, diz Thomas Baumgartner, um dos responsáveis pelo estudo.

img2.jpg
INVESTIDOR
O golpista Madoff não passaria no exame feito durante a pesquisa

Ele propõe que, no futuro, essa técnica seja utilizada com criminosos que estão prestes a sair da prisão em regime condicional. Só seriam liberados os que garantissem que não voltariam a cometer crimes – e cujo exame do cérebro confirmasse essa intenção. Não é a primeira vez que se imagina algo do tipo. Prever o comportamento de criminosos é o mote do filme “Minority Report”, de 2002, do diretor Steven Spielberg e estrelado por Tom Cruise. Na trama, que se passa no ano de 2054, a polícia possui uma divisão de “pré-crime”, que prevê assassinatos e indica o nome da vítima e do assassino, sem o fato se concretizar – o homicida em potencial é preso antes de matar sua vítima. Imaginar um futuro assim pode ser tão confortável quanto temerário. “Antes de ser aplicado, seria preciso chegar a um nível absoluto de consenso en­tre os cientistas sobre a infalibilidade desse tipo de teste”, diz José Ricardo Cunha, doutor em filosofia do direito e professor de ética da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro. “Teria de ser algo tão certo quanto a Lei da Gravidade”, afirma. Para Cunha, ainda assim, condicionar a liberdade de alguém ao que ela está pensando é moralmente questionável: “A Constituição assegura que ninguém é obrigado a produzir provas contra si próprio. Todos têm o direito de mentir.”

O pesquisador Baumgartner acrescenta que, mesmo sabendo que estão fazendo algo reprovável, as pessoas que estão dispostas a quebrar a promessa, na verdade, ainda não fizeram nada de errado. “Eles podem simplesmente mudar de ideia e fazer a coisa certa”, diz. Uma aplicação menos controversa da técnica, proposta pelo cientista, seria evitar golpes como o que o financista Bernard Madoff deu nos clientes de sua empresa de investimentos em 2008. Madoff garantia rendimentos de até 46% ao ano a quem aplicasse na sua empresa, mas o dinheiro que pagava aos investidores antigos era, na verdade, o que os novos estavam depositando. O esquema ruiu quando estourou a crise mundial e os donos do dinheiro correram para sacar – e encontram uma empresa sem nada em caixa. Se o cérebro de Madoff tivesse sido escaneado, talvez ele não tivesse enganado seus clientes, nem causado um prejuízo estimado em US$ 65 bilhões. O pesquisador Baumgartner não garante, porém, que o teste seja totalmente confiável e concorda que ainda é preciso tempo. Mentirosos patológicos, por exem­plo, não seriam flagrados pela ressonância magnética, já que não demonstram nenhuma emoção quando estão mentindo. Quando desvendadas estas mentes, aí sim, teremos chegado a um tempo em que nenhum filme de ficção científica ainda foi capaz de prever.

img1.jpg