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O processo não foi nada fácil, mas finalmente o Ibama cedeu ao Palácio do Planalto e liberou a licença prévia para a construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia. A previsão é que a primeira das usinas entre em operação em 2010 e, juntas, as duas hidrelétricas poderão gerar 6.400 megawatts de energia, metade da produção de Itaipu, a maior usina do mundo.

Assim, o Brasil retoma o ciclo das grandes obras. Do fim do regime militar até aqui, foram poucos projetos de relevância nacional. Obra de porte mesmo só o gasoduto Brasil-Bolívia, realizada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.

Com a paradeira das últimas décadas, a capacidade desenvolvimentista do Estado entrou em colapso. As usinas de Jirau e Santo Antônio marcam o fim desse período e são essenciais para reduzir o risco de apagão nos próximos cinco anos. Para torná-las realidade serão investidos pelo menos R$ 20 bilhões.

Além de marcar a volta das grandes obras, as usinas do rio Madeira expressam a efetivação das PPPs (Parcerias Público Privadas). Com a licença prévia fornecida pelo Ibama, está aberto o caminho para a escolha, por leilão, das empresas que executarão o projeto. A polêmica em torno das obras é grande.

E ainda há obstáculos a serem vencidos. Só no Ibama, há outros dois. O primeiro deles é a aprovação do projeto a ser apresentado pela empresa vencedora. Depois, ainda faltará a licença para que as usinas entrem em funcionamento. De todo modo, para o Planalto as hidrelétricas – junto com o projeto de transposição do rio São Francisco – remetem o País a um outro período. E é nesse contexto que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode retomar a construção de Angra 3, realçando suas vantagens socioambientais em relação aos empreendimentos dos velhos tempos.

Os projetos preliminares das duas hidrelétricas do rio Madeira, preparados numa parceria entre a estatal Furnas e a privada Odebrecht, tentam reduzir ao máximo o impacto sobre o meio ambiente. A área a ser alagada, por exemplo, é pequena se comparada a Itaipu. No Brasil, em média se alaga 0,57 km2 para cada megawatt a ser gerado. Nos projetos do rio Madeira, será preciso alagar apenas um sétimo disso. Se descontada a área do leito do rio, é menos ainda: 0,03 km2 por megawatt. É um cuidado importante porque, quanto menos se alaga, menor é a agressão à natureza – e menos famílias precisam ser deslocadas. Outra diferença é que as 88 turbinas (44 em cada usina) não necessitarão de grandes quedas d’água para produzir energia. Elas funcionarão na horizontal. São as chamadas turbinas-bulbo, que aproveitam a velocidade natural do rio. As do Madeira serão as maiores desse tipo no mundo.

Justamente por não ter grandes quedas d’água, as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau facilitarão a passagem dos bagres, os peixes transformados em personagens da resistência ao projeto. Pelo trecho do rio onde as hidrelétricas serão erguidas, os bagres amazônicos passam com destino aos Andes, onde costumam desovar. Mesmo com as usinas no caminho, os peixes poderão manter a rota, pois será feito um canal lateral. Além disso, ao conceder a licença prévia, o próprio Ibama estabeleceu 33 condicionantes que minimizarão ainda mais os danos ambientais. Dentre essas exigências está a demolição de estruturas de concreto remanescentes da obra, que poderiam provocar acúmulo de sedimentos no leito do rio.

Quem ganhar os leilões também terá de compensar as famílias que poderão ser afetadas pelas hidrelétricas. Pelo menos 9 grandes empresas já manifestaram interesse em participar dos leilões. Quem vencer poderá comercializar a energia a ser produzida.

"Essas usinas serão exemplo do potencial hidrelétrico brasileiro", festeja o ministro interino das Minas e Energia, Nelson Hubner. Mas, para obter a licença prévia, o próprio presidente Lula e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, precisaram travar uma desgastante batalha interna. O assunto foi motivo de crise com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, responsável pelo Ibama. E quando a liberação foi assinada, oito técnicos que vinham se manifestando contra a liberação da licença estavam em greve.

Vencidas as resistências internas o governo terá agora que administrar as externas. Na quinta-feira 12, o presidente boliviano, Evo Morales, pediu reunião de emergência com o Brasil. Ele quer discutir os impactos da construção das usinas sobre o meio ambiente boliviano (o rio Madeira e seus afluentes são responsáveis pelo abastecimento das bacias do Norte da Bolívia). Não satisfeito com a atitude camarada de Brasília ao transferir duas refinarias da Petrobras para a estatal boliviana de petróleo, o ex-líder cocaleiro sinaliza que quer compensações também pela construção das hidrelétricas.