MARCELLO MENCARINI/GRAZIA NERI/BRAINPIX

INFLUÊNCIA Leitura de Kafka liberou o estilo de García Márquez (acima)

O estilo é indissociável do homem, dizia o escritor francês Conde de Bouffon, definindo assim, na literatura, os traços da personalidade artística. Esse é o caso, por exemplo, da formação de Gabriel García Márquez. Ainda estudante, ele tomou emprestado e leu o romance A metamorfose, o grande clássico de Franz Kafka. Foi o estilo de Kafka que o fisgou e deu-se assim, no futuro autor de Cem anos de solidão, o “estalo” literário. Tempos depois, García Márquez registrou: “A primeira linha quase me fez cair da cama, tamanha a minha surpresa. Essa linha dizia: ‘Naquela manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa viu-se na cama transformado num gigantesco inseto’. Eu não sabia que era permitido escrever esse tipo de coisa. Se soubesse, teria começado a escrever muito antes.” Esse relato está no livro Ofício de escritores (Martins Fontes, 316 págs., R$ 39,80), do americano Stephen Koch. A obra mostra que não há fórmulas para escrever e que cada autor tem seu estilo e métodos.

Houve tempo em que John Irving (O mundo segundo Garp) valia-se de um diário. E afirmava: “Começo contando a verdade sobre pessoas reais.” Depois, os seus textos ganhavam certos exageros a caminho de se tornarem grandes mentiras, até porque “a mentira é, sem dúvida, mais interessante”. Pois bem, quando as mentiras entravam em cena, o diário era fechado, virava livro. Para o ensaísta e historiador Paul Johnson, um pedaço de papel ou bloco precisam estar sempre por perto. “A regra deve ser: anote imediatamente. Nunca confie na memória, ponha tudo no papel”, ensina ele.

A anotação é necessária, se houver uma noite separando a idéia e o ato de descrevê-la no livro, é o que diz Tom Wolfe (Fogueira das vaidades). “Tento escrever tudo antes de dormir, porque, à noite, a perda de memória se dá muito rapidamente”, explica ele. Já a autora de Pássaros da América, Lorrie Moore, disse certa vez que nunca teve esboços ou “fragmentos que ficassem em pedaços soltos de papel colados na escrivaninha”. Em Ofício de escritores, Koch privilegia a escrita à mão ou, pelo menos, a que nasce dessa forma – e não o texto digitado já de início no computador. Por que isso? Primeiro, porque alguns dos autores que cita resistem à idéia de iniciar um livro diretamente no teclado, enquanto outros morreram antes dessa tecnologia. Koch dá ênfase, assim, à combinação do estilo com o método na construção de enredos e personagens. Ou, como ensinou Anton Tchecov, “é a escrita que gera a inspiração, e não o contrário”.